© Paulo Abreu e Lima

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

a escola é um sítio fantástico

Entrar numa escola sempre foi um privilégio. Já fui aluna, já trabalhei lá dentro, agora, e no que toca a ela, sou acima de tudo mãe. Perco-me nos espaços dos corredores enfeitados com árvores de Natal realizadas em material reciclado, com as mochilas desarrumadas e espalhadas pelo chão, com o cheiro intenso do crescimento e de um futuro que me dá uma esperança renovada numa vida em movimento, que saltita sem cansaço por entre olhos pequenos, ávidos de tudo o que possam guardar. Gosto particularmente do crescimento, porque ele guarda muito. Guarda os professores de referência que ensinam a ser e a saber, guarda o amigo que partilha o pão no recreio e a borracha na aula de matemática, o que ensina o que é um verso e uma figura de estilo, e o que aceita a diferença mais do que os adultos. Aprecio quem consegue entrar no espírito real da educação, e sabe que sonhar utopias também faz crescer. Estimo, estimo muito todos os professores que conhecem e empreendem que não há crianças de primeira e crianças de segunda, e a esses tiro o meu melhor chapéu e faço a minha maior vénia. Por outro lado, fico ligeiramente angustiada com algumas conversas de esquina, usualmente externas à comunidade educativa. Pais que queriam uma escola perfeita num mundo imperfeito, que ambicionam espaços primorosos para os seus filhos notáveis, como se os menos perfeitos, os imperfeitos e os mal educados, pudessem frequentar outro lugar que não fosse a escola. 

Há dias como este, perto do Natal, quando me passeio por entre as mesas do lanche, os " meninos bons" e os " meninos maus", entre o esforço e a dedicação de quem quer fazer vingar, em que me apetece abeirar-me destas pessoas e questioná-las educadamente, sobre qual a brilhante solução que apresentariam para os tais meninos que não deveriam estar ali. Gostaria que me dissessem qual o local onde poderiam aprender, crescer, ler e brincar, errar e ultrapassar, viver e ser, que não a escola. Apetece-me ainda perguntar, muito embora eu até julgue saber, se é essa descriminação que influem aos filhos na hora do jantar e nos passeios repetitivos de Domingo, em vez de os dotarem de meios para lidarem com a diferença, e com algum problema que possa surgir.

Não o fiz, claro, até porque não obteria respostas concretas e plausíveis, e não me apeteciam percas de tempo, estava numa escola que também é minha. Em vez disso, cheguei-me às mesas enfeitadas e comi uma fatia de bolo de laranja, acompanhada com um copo de sumo doce e vários encontrões descontrolados e esquivos. A escola é realmente um sitio fantástico. Se fosse perfeito, nunca seria uma escola. 

6 comentários:

  1. É um sítio fantástico, sim, CF, um mundo complexo feito de prazer e de tensão. A escola encerra uma infinidade de sentidos, digo eu, que tão bem a conheço do lado de dentro como do de fora e que estou profundamente ligada a ela, quase desde que me lembro de existir.
    A escola tem mudado muito e não apenas como sinal dos tempos, mas também fruto de inúmeras "experiências", boas e más de que tem sido alvo. Seja como for, apesar de todos os desencantos e fascínios, a escola terá de ser sempre uma janela aberta para o mundo e um lugar de felicidade, onde importa que prevaleça, acima de tudo, o lado humano.
    O assunto é inesgotável. Puxa-se por mim e fico horas a falar disto... :)

    Beijinho

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    1. O assunto é inesgotável, sim. Pela minha parte, só tenho realmente pena quando o lado humano não prevalece. Se conseguir prevalecer, construiremos sem dúvida crianças mais felizes...

      Um beijinho para si também.

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  2. Como gostei de a ler...se não for na escola que conhecemos outros diferentes de nós, onde será? Ou a escola é mundo e vida ou não passa de um laboratório para elites.
    ~CC~

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    1. Isso mesmo, CCF ( gosto do seu nome. :)). A escola é e terá de ser sempre, vida e mundo. Um local onde se cresce e se aprende a ser, e onde todas as crianças têm direito a um lugar...

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  3. Completamente. Fantástico e imperfeito. Desde há 5 anos trabalho numa muito imperfeita, cheia desses meninos diferentes, de diversas formas, e é a escola onde mais gostei de trabalhar desde sempre (uma profissional pública). Cresci brutalmente e enriqueci-me de experiências. Alguns dias são difíceis, muito, a luta é travada em várias frentes. Também há meninos que não são diferentes, apenas o querem ser, as razões são deles e não podem ser imputadas a mais ninguém. A natureza, por vezes, ou muitas, triunfa sobre o meio, é possível, sim. Mas dizia que nunca como até aqui me tinha sentido tão precisa, tão útil, apesar dos pesares. A escola imperfeita é a grande lição de vida para um docente. Depois dela, o que vier é "canja". :) Beijos

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    1. :) Fátima, quem faz o que gosta, retira sempre grandes lições dos extremos. São os extremos que nos ajudam a perceber, e como dizes no fim, a relativizar o resto. Penso que a profissão de professor, entre outras da comunidade educativa, é um desafio e uma magia ao mesmo tempo. Aproveitem-na. É nobre que se farta... :)

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