© Paulo Abreu e Lima

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

uma má ideia




Salvo raras excepções, partilhar um imenso problema com os mais chegados pode não ser uma boa ideia. Claro que não se espera daí, da comunhão de afectos e da sintonia de afagos, solução ou cura milagrosa. Escrevo estritamente no âmbito da compartilha, do desabafo, do alívio de uma carga negativa que nos atormenta a alma e o juízo, e que muitas vezes se estende até ao corpo – mormente numa altura em que a depressão colectiva é sal em mar salgado e a hipersensibilidade irrompe em eriçados arrepios pelas epidermes. Hoje em dia, a dor quer-se tímida e cabisbaixa, encoberta por pensamentos introspectivos cujas vibrações se anseiam particularmente mudas. Sendo um mal que não escasseia, muito pelo contrário, formiga, quer-se oculto e longe, não vá surtir como uma pandemia e propague. Não é exactamente um mal das sociedades, é simplesmente uma má ideia.

8 comentários:

  1. Não sei se concordo consigo, Paulo, mas acho que não. Assim, em termos genéricos, pelo menos. Tudo varia, naturalmente, com a natureza do problema e das pessoas em si. Mas eu falo por mim. A partilha com os mais chegados não me parece de todo uma má ideia e muitas vezes é-me até necessária. Justamente por causa do "desabafo" de que fala e do que ele pode aliviar e ajudar a mitigar a dor. Há sempre uma parte dela que se vive para dentro e se resolve a sós connnosco, digo eu, mas "a comunhão de afectos e a sintonia de afagos" de que fala, não sendo "solução ou cura milagrosa", fazem-nos sempre tanto bem...

    (Ou então, se calhar não percebi nada do que quis dizer...)

    Beijinho :)

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    1. (Ai percebeu, percebeu... :)

      Muito do que escrevo por aqui - do pouco que o faço - não vão muito além de "estados de alma", pelo que nada é absoluto e definitivo. São meros apontamentos ao sabor da espuma dos dias.

      Beijinho :)

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  2. Meu caro Paulo
    Há muito que sigo o critério de partilhar alegrias e consumir desgostos. Estes últimos raramente consigo dividi-los e a única pessoa com quem isso acontecia, a minha mãe, já morreu.
    Começo agora, numa outra fase da minha vida, a faze-lo com o meu "director espiritual", não para partilhar dores, mas para lhe dar conta de reacções pessoais minhas que possam traduzir estados de fé. E estes, são, inevitavelmente, estados de alma.
    Abreijo

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    1. Querida Helena,

      Também consumo os meus desgostos sem prévia partilha. Dizem que azeda a alma, pois que seja: quem me consumir provará fel. Credo...

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  3. Dificl, dificil é escolher partilhar a nossa dor, que passa a ser uma dor nossa e de quem recebe a partilha, ou vivê-la sozinhos e saber absorver o amor de quem nos rodeia mas que não partilha a dor connosco!
    Para mim é sempre uma escolha dificil!

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    1. Caríssima Maria João, exacto. Também há que preservar quem tanto amamos...

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  4. Tenho para mim a ideia de que é melhor falar de problemas (os tais "desgostos") com desconhecidos. É tudo muito mais imparcial. Eles porque não nos dirão nada para nos agradar ou evitar sofrimento e nós porque diremos a verdade por mais dura que ela seja, não atuamos segundo as expetativas de quem já nos conhece. E nada me prova o contrário. :)

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