© Paulo Abreu e Lima

domingo, 27 de abril de 2014

morrer de amor

Morre-se de amor nos livros, nos filmes, nos contos e na vida real. Morre-se de amor quando o corpo resolve expirar devagarinho, primeiro os olhos, depois as mãos, de seguida a boca, logo depois o resto. Morre-se de amor em vida quando a direcção se encontra vazia de companhia, quando o objectivo se retira, lesto, dos dias vividos para lugar nenhum. O meu avô morreu em vida, pé-ante-pé, a caminho do cemitério. Mais depressa quando o vento arrastava os ciprestes altos e bamboleantes, mais devagar quando netos e bisnetos apareciam no portão encarnado do quintal, aos Domingos de verão, para a apanha das ameixas vermelhas e verdes, da árvore enxertada do jardim. Este de agora esperou pouco tempo. Deixou que a morta fosse a sua vida e hoje beijou-a, bem cedo, na manhã fresca de Primavera. Diz a filha que lhe faltava o sossego das mãos dela, diz a neta que ele sentia saudades, eu digo que ele morreu de amor. Morre-se de amor. Morre-se de amor nos livros, nos filmes, nos contos e na vida real. 

(Não, não considero uma vitória do amor, mas uma derrota da vida, sendo aqui que o romantismo eventualmente impresso à história, se extingue também. Não morre de amor quem ama muito, morre de amor quem não aprendeu a sofrer.)

2 comentários:

  1. Ai CF... Já li e reli a ultima frase vezes sem conta!
    E de cada vez que a leio algo me doi dentro de mim.

    Até onde se deve aprender a sofrer? Se calhar diz a razão que não há limites. Mas ... e o coração?
    Qual deve prevalecer? A razão ou o coração?!

    Quando se morre de amor é o coração que prevalece, certo?!
    Dificil ... dificil ....

    ( há dois anos que lido de muito perto com alguém que não consegue fazer prevalecer a razão ao coração!
    Viuva aos 52 anos... Está a morrer de amor ... e nem os 6 herdeiros desse amor ( sim! 6 filhos!! ) conseguem ajudar na gestão do sofrimento!
    Dificil...dificil...)

    Vou continuar a ler a sua frase. :)

    Um beijinho,

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    1. Maria João, aceito outras perspectivas, como não fazê-lo? Do que vejo ao perto é o que sinto, mas, e muito embora tire conclusões sobre os assuntos, assumo sempre a extrema fragilidade da generalização, no que toca à emoção humana e à perca, neste sentido em particular.

      Perto de mim morreu de amor quem não conseguiu prosseguir sozinho. Quem desistiu por falta de companhia, quem não soube atravessar o deserto da solidão. Se nestes casos prevaleceu o coração? Pois, não sei... Parece-me essencialmente que prevaleceu o sonho, muito além da realidade possível. Se isso pode ser suficiente? Também não sei, mas julgo que sim. Talvez sejam os casos que falo de morte em vida, algo semelhante ao que descreve... Uma coisa eu sei. Se a pessoa escolher viver assim, com a prevalência do coração, como lhe chama, será difícil demovê-la. Não impossível, mas difícil. Os objectivos nesse caso são simples e claros: Há uma escolha determinada e direccionada a alguém que se quer para sempre. Seja em presença física, seja em presença mental (a mais teimosa de todas as presenças)...

      Um beijinho para si :)

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