© Paulo Abreu e Lima

sábado, 8 de agosto de 2015

prioridades

As senhora têm a mania das prioridades. Esfolam-se por catalogar as acções quotidianas com o rigor de um pódio olímpico, no topo surge o que realmente importa, daí em diante a medalha de prata, de bronze, de pau ou de coisa nenhuma, no limite da indiferença. É nas filas do supermercado que me deparo com estas análises frequentes, entre uma alface e uma garrafa de água, enquanto o tapete rolante acelera, com pressa, ao mesmo tempo que ensaco rápido de mais tudo o que preciso. Nestes momentos os meus ouvidos poderiam alhear-se do mundo, e por vezes conseguem. Escutam Jorge Palma, com todo o respeito, ao mesmo tempo que na minha cabeça se forma uma realidade paralela aquele  sítio povoado de donas de casa preocupadas em dar aos seus filhos o que a natureza tem de melhor. A certa altura começam a gritar muito alto, e a minha concentração interna é abalada por duas senhoras que olham com pena para as unhas compridas de uma delas. É necessário cortá-las, ir à manicura ainda hoje, na próxima segunda-feira inicia a apanha da pêra, e o capataz não autoriza comprimentos excessivos que possam danificar a mercadoria delicada. A que escuta acena com a cabeça enquanto mira as próprias mãos com uma admiração de quem contempla um monumento audaz e grandioso, qualquer coisa entre o laranja e o rosa, com uns brilhantes a cintilar, unha sim, unha não. - Nem sei o que faria se tivesse de cortar as minhas, vocifera, perante o olhar deprimido da outra, que olha com uma tristeza profunda para as suas pequenas obras de arte. Não resisti, se calhar faltou-me tema, mas a realidade é que no caminho do regresso fiquei a pensar no que aconteceria à pobre criatura de Deus, se tal cataclismo lhe sucedesse. Se as cortaria, apesar da dimensão da desgraça, se as ocultaria discretamente dentro de umas luvas de borracha, ou se passaria uma noite em claro a procurar uma outra alternativa que lhe permitisse pagar as contas, incluindo, obviamente, a manutenção do gel. É tudo uma questão de prioridades.

Quem não tem unhas, não toca guitarra, dizia-se. Hoje, e numa moderna variação, quem quer ter unhas, não apanha pêras.

4 comentários:

  1. Nas filas do supermercado há sempre histórias para contar... :)

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  2. Essa das unhas falsas não lembra ao diabo. Pasmo ao ver as personagens das telenovelas, com dramas de chão à cova, a arranjar as unhas ou com elas impecáveis!! Tb não compreendo porque não as usam quando são atacadas e violadas. Uma unha destas corta uma jugular em três tempos ( arrenego!) ou impede um violador de se aproximar. As prioridades em geral são fúteis, pois essas mesmas mulheres não as têm quando se trata dos filhos, dos maridos ou dos amigos....
    Hoje estou muito cáustica, desculpe CF!!

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    1. Já me fez sorrir Virgínia, com o corte da jugular... :) Não se preocupe, eventualmente estarei um pouco cáustica todos os dias... É que partilho totalmente da sua opinião...

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