© Paulo Abreu e Lima

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

O ciúme

O ciúme é visto como uma forma inábil de gostar, uma distorção de pequenas suspeitas feitas verdade, um defeito de vontades mal contadas. Proliferam apreciações. Os julgadores sugerem uma deformação de carácter; os capazes observam uma inquietante necessidade de tirania sobre os outros; os sentenciadores, um exacerbado egoísmo destrutivo e os prescientes auguram que quem o sente acolhe-se em abóbadas de cristal. Até o nosso excelso Vergílio Ferreira arrasa: «A mulher mais ciumenta é talvez a que mais facilmente atraiçoa o marido e menos tolera que ele a atraiçoe. Porque o ciúme é a afirmação de um direito de propriedade. E esse direito reforça-se com a traição dela e diminui-se com a dele». Trau!

Deixando de parte patologias e questões de auto-estima, o ciúme, não sendo um sentimento nobre, é instintivo e natural, marcado sobretudo pela irracionalidade do medo – basta observar o comportamento animal. Não obstante, está intimamente ligado à inveja, e só difere desta porque nele preside o temor da perda e nela o rancor de vingança.

Em doses profiláticas, confesso que me é simpático, não lhe aponto o dedo, faz cócegas ao ego. Mas nada mais. A ingénua ideia de quem gosta sente ciúmes é redutora e, porventura, o maior equívoco. Quem gosta confia, quem ama solta. Quem gosta acredita, quem ama tolera. Tudo o resto é Othello.

19 comentários:

  1. É uma interessante questão e "dá pano para mangas". Por mim, tenho dificuldade em entender o ciúme exacerbado e tendo a concordar com Vergílio Ferreira. Também acho que lhe está subjacente a "afirmação do direito de propriedade", que se coaduna mal com o bem querer, parece-me. Já o que diz sobre a mulher ciumenta, aprece-me igualmente válido para o homem ciumento.
    Não sei se será "natural" como diz, mas em doses muito moderadas pode compreender-se e até ter alguma graça. Tudo o resto, já me parece obsessivo e, como diz, contrariamente à ideia que muita gente tem não é sinónimo de amor.
    Concordo inteiramente com o final do seu texto Paulo e cito uma canção brasileira de que gosto muito que há nos procuro fazer meu lema: "o seu amor, ame-o e deixe-o ser o que ele é, ir onde ele quiser; o seu amor ame-o e deixe-o livre para amar". Amar é dar, sem pensar em receber...

    Beijinho :)

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    1. Isabel, não falava unicamente do ciúme em relações românticas, mas, sem grandes pretensões, na generalidade das relações humanas. Por vezes, e sobretudo na infância, temos ciúmes dos nossos irmãos, e mais tarde, dos nossos amigos. Até nos animais sucede este fenómeno (nunca viu um cão a disputar com outro a atenção do dono?). Quanto ao amor eros, concordo com tudo à excepção da sua última frase: «Amar é dar, sem pensar em receber...». Numa relação, há compromissos, e se a "dádiva" só surge de um lado, por mais bonito que seja, não há relação alguma, mas uma adoração platónica de uma das partes... Beijinho :)

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    2. Não me expliquei bem, Paulo. Eu também não me referia a uma relação unívoca, que não é no fundo relação alguma. Falava antes da "dádiva" que espera receber alguma coisa de volta à sua medida e não à medida do outro e que depressa conduz à "cobrança" do tipo se eu te dou isto tens que dar-me aquilo. Mais ou menos isto...
      Quanto ao resto é verdade que o ciúme está muito para além da relação romântica (e existe até num certo sentido em relações de trabalho, confundido com a inveja), mas também é verdade que quando se fala em ciúme é na relação eros que possamos porque é onde ele se manifesta de forma mais violenta e "descabelada". :)

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  2. Bela fotografia: Père Lachaise?

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  3. São Paulo na epístola aos coríntios descreve de forma sublime o amor e nela não deixa espaço para o ciúme ou para qualquer sentimento menor..."O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.
    Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;
    Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
    Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta..."
    É certo que todos nós sentimos nalgum momento ciúmes, uns mais do que outros e que alguém atire a primeira pedra se assim não for.
    O cerne da questão passa como bem referes pela auto estima, confiança em si próprio e no outro. Por outro lado ao dar-mos o voto de confiança ao outro, estão criadas as condições para acreditarmos no nós, certo?
    Beijinho

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    1. Certo, Esmy.
      A epístola de S. Paulo refere-se a um Amor maior, ao Amor entre os Homens, àquilo que a Igreja Católica considera a Verdade e Bondade entre todos nós, Irmãos. Estamos no domínio do Divino, onde peca-se muitas vezes e redime-se as vezes que conseguimos. Até à Santidade. Beijinho.

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  4. Seja como for a História está pejada de romances de faca e alguidar tendo como pano de fundo o ciúme.Como bem refere a obra de Shakespeare (Otelo) é um verdadeiro hino ao ciúme e traição. Lá por ser um sentimento menos nobre não é menos importante.Faz parte da realidade do dia a dia para muitas mulheres atraiçoadas e mortas por ciúme!!Não lido bem com esses sentimentos...acho funestos e podem acabar com qq relação.. Grande foto!! 8D

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    1. Marta, eu excluí patologias e défices de autoestima, logo, podemos aligeirar a coisa, nada de tragédias, por favor :)
      Obrigado.

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  5. Em suma, o ciúme não se coaduna com o Amor.
    Concordo a 100%. Se não houver confiança é porque o amor é fátuo.

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    1. Em suma, pode-se coadunar, mas não é prova alguma de sentimento. Se não houver confiança, não há relação exequível.

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  6. O ciúme não é um assunto de ligeiro trato. Não se constrói unilateralmente, constrói-se na relação... É fácil, muito fácil querermos a harmonia do sensato, o bem estar do qb, o ego cheio em que a dose certa nos coloca, na pertença e no sentimento. Mas e agora pergunto, o que se faz quando o excesso surge, em demasia, certo, mas em resposta? É que ciúme não pode incluir-se simplesmente como uma arma que o ciumento arremessa para cima do alvo. Já assisti a casos onde o considero uma verdadeira perda de tempo, outros onde trata uma reacção que pode nem ser bem ciúme, mas desigualdade ( há coisas que os homens podem e as mulher não podem, estarei errada?)... É claro que no extremo chegamos à teoria da individualidade, é claro que cada um é livre de escolher fazer o que entender, mas será isso viável numa relação a dois, se um se sente incomodado?... Não fará parte do equilíbrio de um casal o estabelecimento de uma harmonia bilateral, e não um mau estar de um membro, alicerçado num capricho do outro?...Deixo-te uma pergunta singela: e tu Paulo, soltas sem medo tudo o que amas? Não vale chutar para canto... Mas devo dizer-te, é claro que o excesso de ciúme, puro e duro no sentido de posse, é destrutivo. Ninguém preso vive feliz, o trabalho de formiga é descobrir a essência da confiança e do respeito. E olha que e de formiga, mesmo, daqueles que se desenvolve com migalhas pequeninas, quase invisíveis...

    Um beijo.

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    1. Respondendo directamente à tua pergunta, procuro soltar sem medos tudo o que amo, procuro proporcionar o máximo de liberdade a quem amo, crente que, experienciando a dita, o outro decida por si só, sem coacção ou controle, que o bom mesmo é o sentimento que nutre por mim. Mas, como disse, procuro, não quer dizer que consiga sempre. Sou humano, logo, falho de perfeições. E concordo em absoluto que esta reacção insere-se num contexto dentro de uma relação. Toda a relação pressupõe compromisso, entendimento e confiança, e acabe unicamente aos elementos do casal acalmar o desconforto que um ou outro possam sentir. Digo mais: uma relação satisfatória assenta em valores, como lealdade e respeito, e é sobre essa custódia que não devem surgir desigualdades. Só que presumir tudo isto implica muito diálogo, muito "trabalho de formiga", muita compreensão de parte a parte. E, como é óbvio, pressupõe um bem-querer incondicional...

      Um beijo para ti.

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    2. Mas o amor é isso mesmo. Ter a liberdade de escolha e escolher-te a ti...

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  7. Ainda assim prefiro-o à inveja se tivesse de escolher entre os dois. Julgo que o ciúme se aquieta, se controla, se constrói e desconstrói, se apazigua na presença do objecto ou na troca do objecto; já a inveja é arreigada, dificilmente curável, dificilmente aplacada. Quem inveja não medra. Eu estou em querer que de tudo o que mais detesto nas pessoas, a inveja é a que ocupa o lugar cimeiro, porque não é tanto um instinto, é mais uma malvadez racional sulcada de complexas doenças do ego.

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    1. Sem dúvida, uma falha de carácter muitas vezes camuflado por uma indisfarçável falta de vergonha e dignidade. Um dos mais hediondos pecados capitais.

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  8. Já senti ciúmes muitas vezes. Em variados tipos de relação.
    Nunca os demonstrei.
    Sempre os usei para me reavaliar, para perceber a minha relação com o outro, e mesmo para definir dentro de mim que amor era aquele.
    O ciume exagerado, violento e destrutivo, esse sim, é doentio.

    Beijinho Paulo

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    1. Acredito que todos nós já experimentamos a sensação, que é desagradável sobretudo para o próprio, mas cuja evolução depende dele mesmo. Ou descamba para a patologia, ou é reavaliada e resolvida pelo próprio. Depende da estrutura psicológica de cada um.

      Beijinho, Maria João.

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