© Paulo Abreu e Lima

segunda-feira, 14 de março de 2016

π

Os dias do ano não chegam para os "dias de". Há pouco tempo foi o Dia da Mulher, hoje é o Dia do π (pi). Risível, pensará a maioria; interessante, penso eu. A razão entre o perímetro da circunferência e o seu diâmetro é um número constante com uma sequência de casas decimais que nunca se repete. Uma constante que não acaba mais. Vibrante. Gostava que fosses um π. Um pi de mãos esguias e pequenas, boca de peixinho de aquário a sorrir e olhos de farol. Voz de menina japonesa, pés de gueixa e ventre de odalisca. Submissa no corpo, pespineta e irrequieta na alma. Uma Mulher que não acaba mais. Hoje, prenúncio do adeus, não te encontro senão nas saudades infrenes. Hoje, dia do pi, a sequência terminou triste, repetida e inconstante. Há lá coisa pior do que o adeus não ecoado mas escrito nas brumas? Não há. Regressarei ao seminário. Eclesiástico, voltarei a ser monge versado em matemáticas obtusas e resgatarei o meu π na vertigem do silêncio.

6 comentários:

  1. Muito bonito e triste....
    Veja o que já se fez com o Pi :)

    https://www.youtube.com/watch?v=OMq9he-5HUU

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  2. O seu texto lindíssimo rasga o espaço e o tempo para uma história maior, aquela que se inscreve na referencialidade de cada um. Por isso, enquanto escrevo, faço-o com a chave da minha vivência. Os amores são coisas semeadas, crescidas, ceifadas, maturadas na cadência de novos ciclos. Quando terminam, encerram consigo uma parte da nossa vida. Contudo, há amores que chegam ao fim, mas nem todos têm um fim. A sequência pode continuar a partir de uma outra proporção, da invenção de uma nova constante. O fim pode ser um renascimento. Afinal, não é disso que é feita a esperança, essa crença que nos faz desejar o amanhã?

    Um beijinho, Paulo

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    1. Miss Smile, não sei se o amor é "reinventável", mas tenho a certeza que não é substituível. Pode não terminar quando termina, mesmo a dois. O tempo faz milagres - não o definido pela órbita da Terra, mas o que conta com o pulsar do coração. Até lá, é avisado o recolhimento eclesiástico, uma espécie de luto acompanhado, onde se está sozinho sem solidão.

      Beijinho, Miss :)

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  3. Este rio...este lugar...creio que conheço, quase tão bem como essa tristeza do fim de um amor...e depois, da solidão sem solidão. Muito bem fotografado, igualmente bem descrito.
    ~CC~

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    1. O rio: Sado. A tristeza: de águas profundas. A solidão: sem ondulações.

      Obrigado, CC.

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