Percorria a grande cidade. Toda iluminada por um clarão glaciar que se estampava nos prédios e não marcava sombra pela calçada fria, vazia de gente, de animais, de mendigos. Nenhum automóvel, autocarro, moto, bicicleta, skate pelas ruas. Um silêncio ameaçador – nada, mas mesmo nada bulia –, e cáustico, vagava apartamentos, blocos de betão armado, fachadas, portas, empenas, frestas e vidraças azuladas. As poucas árvores pareciam feitas de plástico maleável, os relvados de tapetes sintéticos verde-garrafa e o pequeno lago de espelho acrílico intenso. Era recorrente e medonha a imensa maquete que percorria naquela manhã de domingo. Num registo cinematográfico, Damiel de Der Himmel über Berlin encontraria a sua trapezista feita em mármore fria caída ao lado dos cisnes deslizantes inertes de carbono. "A grande cidade é uma imensidão de pedra dura e nua", pensou.
Ao fim do dia voltou à serra e encontrou esferovite esgravatado em vez de neve, plasticina em forma de rocha, papel-prata esterilizado como nuvens, pequenos líquenes de borracha e um uivo metálico que sugeria vento. "Muito bom, tudo como dantes, mas muito mais macio", concluiu todo ele níveo. Em fibra de vidro.
Lindo....poderia ser acompanhado de Fake Platic Trees dos Radiohead...será que este mundo irá ser assim?
ResponderEliminarAinda sinto o cheiro a líquenes e casca de árvores do botânico, chovera há pouco, e havia gotinhas de água nas folhas...
Não posso crer...isto é pura ficção, Amigo.
Belo texto.
Pronto, Virgínia, já lá pus. Combina muito bem.
ResponderEliminarIsto foi quase um post a quatro mãos :)
Beijo e obrigado
Lindo, lindo!
ResponderEliminarAdorei.
beijinhos
Lucia
Obrigado Lúcia :)
Eliminarbjos
Tudo se transforma e a realidade destrói a idealização que compõe a nossa realidade!
ResponderEliminarUm post bem imaginado...
A gente perde-se, mas reencontra-se.
Um grande abraço
E o Amigo Manel há oito anos com o mesmo e excelente blogue... (eu cá já vou no 4º em todo este tempo)
EliminarOutro grande abraço
Não se encontra no exterior, nada que seja de dentro.
ResponderEliminarNem que para isso se tenha que trocar as voltas ao fígado e pô-lo no lugar do coração.
Dentro está a água que é água, a terra que é terra. A neve que é neve. O riso que e riso. E, a vida, que nos é, verdadeiramente, de-vida.
Ora nem mais, Filipa.
ResponderEliminarTudo o que verdadeiramente efervesce está cá dentro; somos nós que damos vida às coisas, aos elementos, às pessoas que nos rodeiam. Se o formos capazes, caso contrário estamos mortos por dentro e nada acrescentamos lá fora. O leito do rio só corre, porque nos percorre o corpo. A visão é egocêntrica, concedo, mas profundamente humana. Penso.