© Paulo Abreu e Lima

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O pico da paixão

«Esta ilha negra e disforme apoderou-se dos meus sentidos. Tudo o que a principio me repelia, o negrume, o fogo que a devora, o mistério, tudo me seduz agora. O Pico é a mais bela, a mais extraordinária ilha dos Açores, duma beleza que só a ela lhe pertence, duma cor admirável e com um estranho poder de atracção.
É mais que uma ilha – é uma estátua erguida até ao céu e amoldada pelo fogo – é outro Adamastor como o do Cabo das Tormentas.»

Raúl Brandão, Ilhas desconhecidas, 1926

Em boa verdade, o Pico é uma ilha à parte, no epicentro de um arquipélago também ele à parte, uma paixão que nasce muito antes de chegar a Madalena e que inturgesce pelo Atlântico afora, uma força alucinante pelo abismo negro temperada pela cândida certeza de que já dele fazemos parte. Melhor que o Pico, só os picarotos. Homens e mulheres que abraçaram lava e produzem vinho, arrebanharam novilhos e fazem queijo, burilaram pedra e oferecem casa.

Escalei até ao cume (2351 metros) e vi nada. Nada para além do mundo. Lá em cima, no piquinho, sentei-me em chão quente e vivo e me perdi muito acima do voo dos pássaros e da macieza das nuvens. Inspirei tanto ar virgem que por uma eternidade de momentos levitei ao centro dos anéis de Saturno.





6 comentários:

  1. Sem palavras.....devias fazer um livro de fotos dos Açores....não para recordar, mas para viver....

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    1. Engraçado... Por uma questão chata (andaram-me a "roubar" fotos e a publicá-las como se não tivessem autor), nunca publiquei aqui no blogue as que considero as "minhas melhores fotos" - e, como a amiga Virgínia sabe, as boas fotos não são sempre as mais bonitas. Mas na semana passada recebi um amável convite para expôr. Não aceitei. Só o farei no dia que tiver argumentos para defender todo um conjunto que faça sentido.

      Bjs,

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  2. Meu caro Paulo
    Está a caminhar na minha estrada de há dois anos...
    As fotos que então tirei não chegam a esta perfeição, mas a imagem que guardo desses lugares, está colada à sua.
    Também eu, com um amigo imenso - na amizade e no olhar - subimos lá acima e vimos nada. Ou, vimos tudo, porque o ar e as nuvens, deixaram-nos a sua marca.
    O Pico não seria a ilha escolhida para viver. Mas seria, certamente, uma opção para me recolher dos outros e me encontrar comigo.
    "Les bons esprits se rencontrent toujours" dizia esse meu amigo. Ele sabia do que falava. Você também!

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    1. Les bons espirits se rencontrent toujours (muito menos presunçoso do que "Les beaux" de Voltaire), realmente. E fico tão contente que tenhamos chegado às mesmas conclusões, Amiga Helena...

      Abreijos

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  3. Gosto das fotos, como não gostar? Mas aprecio ainda mais a sensação que descreveste. E agora aqui no fim fica um sorriso. Ou melhor, dois :):)

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    1. Usei Saturno, filho do Céu e da Terra, porque segundo a mitologia romana é precisamente pai de Pico, titã da agricultura. Claro que o baptismo da ilha não virá daí, mas não deixa de ser coincidente.
      Aqui no fim, fica um beijo. Ou melhor, dois :)

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