© Paulo Abreu e Lima

sexta-feira, 15 de março de 2013

Aviso! Para onde nos (e)leva o elevador de Santa Justa? Para a marosca...




Conta-se numa penada.

Eu, alfacinha de gema e clara, nunca tinha subido naquela geringonça, inaugurada em 1902, com a assinatura do engenheiro Raoul Mesnier du Ponsard. Coisa de turista, pensava. Até que, num dia em que o tempo não se fez sentir, me dirigi para a fila larga de espera - muitos excursionistas de todas as cores e tamanhos. Do princípio da fila até mim (uns bons vinte metros), surge um homem esguio, bem-apessoado, com uma farda idêntica a um sobretudo negro comprido, cabelo impecavelmente puxado para trás com gel. À medida que se ia aproximando, verifiquei, ouvindo as conversas que mantinha com os visitantes, estar na presença de um expedito vendedor de bilhetes para o ascensor. Um exímio poliglota também. Das sete línguas, quase tão multilingue como a Ivone (falhava-lhe o accent do grego antigo quando, em amena conversa com um vulto igualzinho a Sófocles, pareceu gaguejar). Chegado até mim, pediu cinco euros. Dei-lhe a nota que rapidamente introduziu no bolso esquerdo. E do direito retirou o cartão que me dava livre passe para o céu lisboeta. Tudo perfeito. Tinha sotaque portuense. Pedi-lhe a factura:

- Eh pá, isso não tenho; nem eu, nem o ascensorista, vai ver, mas peça-lhe. A Carris tem prejuízos de milhões que todos nós pagamos e ainda por cima não passa facturas. Mas peça-lhe, peça-lhe que eu agradeço. Isto é uma vergonha!

Num ápice, devolveu-me a nota do bolso esquerdo e retirou-me da mão o cartão: - Uma vergonha! – Continuava em ladainha.

Chegado, por fim, ao elevador, pedi o bilhete. Perfeito. Cinco euros. O ascensorista, igualmente fardado de sobretudo longo preto e gel, mas com um ar mais bojudo, era uma simpatia. Pedi-lhe a factura:

- A factura? Qual factura?
- Ora, a factura do bilhete, a factura do vosso serviço prestado, a factura desta transação económica!
- Ah, sim… é… pois. Espere um pouco, dou-lhe quando isto chegar lá em cima.

Além de mim, entraram mais dezanove pessoas. A lotação máxima é vinte. Trinta segundos depois, lá em cima, as pessoas saíram da cabine e fiquei eu. À espera. O gordo (desculpem, mas já estava passado com aquilo), agachou-se a custo e retirou uma caixa velha debaixo de uma das cadeiras. Abriu-a e retirou um bloco de impressos velhos:

- Com que então o senhor quer factura… muito bem, é da inspecção tributária?
-Não.
-Mas podia ser… com esse seu ar sisudo. Eles andam por aí! Ora, ora… e qual é o seu número de contribuinte?! – Perguntou com aquele ar de quem "vou-te lixar!".
- 17……… , resido em Lisboa.

E, a muito custo, lá me deu o que deveria ser normal em qualquer transação comercial:


Não estive com mais conversas, mas a factura recebida não é válida segundo as novas regras de facturação desde o início deste ano. E afinal onde está a verdadeira marosca? No cartão que o primeiro  funcionário da Carris me quis vender. Era o Cartão Viva Cidade. Custa 0,50 € e com um carregamento de 2,50 € nas máquinas do Metropolitano, dá acesso à subida e descida do elevador de Santa Justa. Ou seja, por cada cartão vendido, o esperto lucra dois euros. Isto se ninguém pedir factura, claro está.

Muito por baixo, por dia, acedem ao elevador umas duas mil e quinhentas pessoas. É só fazer as contas…


14 comentários:

  1. Com ou sem fatura , a vista vale os cinco euros. Dantes ia lá muitas vezes e depois saía pelo Carmo e Chiado. Adorava aquela vista de telhados da Baixa inteira. Havia um rstaurante _ Quinta de qq coisa , já nem me lembro bem. Também lá ia comprar os horários dos autocarros da Carris, ne tempo em que se vendiam para o ano inteiro em caderrninhos. E tb lá fui quando perdi uma carteira. O elevador era um local muito interessante, mesmo sem faturas:)))

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    1. "Faturas"? Cruzes, converteu-se ao AO...?

      (Há lá em cima um bom Italiano com boas vistas e dão factura)

      Bjos

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  2. Que remédio.Todos os nossos planos de aula são escritos em português atualizado, o que é que julgas?? Ele é objetivos, receção, ação, recetivo, enfim....dá vontade de chorar.....:)))

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    1. Eu sei, eu sei... :(

      Parece que tudo o que é mau juntou-se por aqui, por Portugal. Triste.

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  3. Paulo
    Já quase me tinha esquecido dessa esplendorosa vista!
    E porque não mandar o papelinho e a marosca para a DGI? E para quem os tutela?
    E para quem fica o dinheirinho? Para os homens do gel?
    O elevador não tem que ter autorização da CML? O Dr Costa e o Arq. Salgado não deveriam estar atentos?
    Descaro é o que não falta ao país.

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    1. Uma vergonha, Helena! Senti-me num país do terceiro mundo. E nem sequer emergente!

      (O dinheirinho do cartão fica para os homens do gel e o do iva para a Carris)

      (A tutela é do próprio Estado, já que a concessão é da Carris. Agora percebo melhor por que razão o dr. Costa tanto quer tutelar a Carris...)

      Beijinhos, Helena.

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  4. "O prometido é devido", diz-se e eu, confesso, gosto de o ver cumprir o prometido, isso de escrever mais amiúde, que é uma palavra a que acho muito graça, como a sua "marosca", que já não ouvia/lia há imenso tempo.
    E, ainda por cima, de novo, sobre "esta Lisboa que eu amo..."
    A história que conta é irritantemente comum, mas eu olho para essas duas belíssimas imagens de Lisboa que a acompanham e quase esqueço a história, de olhos presos na sua imponente beleza.
    Depois, lembro-me de um episódio que se passou comigo, nesse miradouro, há bem pouco tempo, quando estando de férias já não sei se em Junho ou Setembro, numa daquelas minhas deambulações solitárias pela cidade, de que tanto gosto, resolvi ir a esse miradouro da fotografia, de onde a vista sobre Lisboa é de cortar a respiração, mas sem subir no elevador e entrando pelo Largo do Carmo. E aí, fui também surpreendida pela novidade de me quererem cobrar uma tarifa apenas para subir a escada e aceder ao miradouro. Já não sei quanto era, mas julgo que seria um euro e meio. Passei-me. E disse ao funcionário qualquer coisa como: era o que faltava ter que pagar para ver o que afinal era também um pouco meu. E que havia muitos outros locais de onde podia ver Lisboa sem pagar, que era o que me parecia adequado e normal. E fui-me embora, mais ou menos zangada, perante a indiferença do meu interlocutor, que continuou a cobrar bilhetes aos turistas que pretendiam fazer o mesmo que eu. Enfim, hoje, agora, olhei a sua fotografia antes mesmo de ler o texto (é sempre assim: só leio os textos de pois de olhar demoradamente as imagens) e lembrei-me imediatamente da minha história.
    Além desta vista deslumbrante, há outra que me emociona de forma particular: a do miradouro da Senhora do Monte, talvez um dos meus lugares favoritos de Lisboa, que é um lugar feérico e inigualável e, para mim, cheio de recordações, boas e más, onde já me sentei a pensar na vida, onde já vivi amores e desamores e onde, naquele 25 de Agosto de má memória, chorei a ver Lisboa devorada pelas chamas.
    Peço desculpa de me ter alongado tanto no meu comentário, mas Lisboa "puxa por mim" ;)
    Acho que o Paulo devia pensar em fazer um livro, (a sério!) a que poderia chamar: "Histórias de Lisboa", com os seus textos e as sua maravilhosas fotagrafias, que eu amo desmedidamente. :)

    Beijinho

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    1. É isso mesmo, Isabel. Para quem vem do Chiado e passa pela ponte pedonal que atravessa a Rua do Carmo e quer subir a escadinha em caracol para o miradouro de Santa Justa, custa 1,50 €. E quanto a isso não tenho nada contra. A estrutura desgasta-se com constantes subidas e descidas e há que conservar e manter a segurança do piso superior. A marosca tem mais a ver com "meter ao bolso" dinheiro da Carris que, no fundo, é sustentada por todos os contribuintes.

      O Miradouro da Senhora do Monte, na Graça, é fabuloso ao entardecer/anoitecer em Agosto, no pico do Verão. E muito romântico, sem dúvida.

      Lisboa tem histórias, e estórias, incríveis, mas não são os lisboetas que melhor as sabem contar. Acredite!

      Beijinho e obrigado:)

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  5. Peço desculpa pelas gralhas: é "fotografias" e "depois" - ai ai, disléxica, ou a precisar de óculos... ;)

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    1. Isabel, pelo menos aqui, neste espaço, deixe-se dessas minudências... todos nós percebemos o que quis dizer, ora! :)

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  6. Deve ser por estas maroscas, e outras, que o Dr. António Costa quer tanto ficar com o controlo dos transportes públicos de Lisboa... Talvez também lhe tenham passado uma factura dessas e também tenha feito as contas.
    Não se compreende como há empresas com tanto prejuízo quando depois se vê o que se passa à margem da lei...
    É o país que temos :(
    Vale essa paisagem, que eu continuarei sem conhecer. 5€ ?? Nem pensar!

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    1. Olá, Anita. Tal como disse mais acima à Helena, muito provavelmente isto passa-se nas barbas do dr Costa com amplo conhecimento e benevolência. Daí o apetite...

      (Olhe, felicito-a por finalmente o seu blogue estar "comentável". É que por diversas vezes passei por ele e tinha uma espécie de capa protectora que nem os vídeos se podiam ver... estranho)

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    2. ?? Sério?? Não fazia ideia que tinha o blogue vedado a comentários! E esse pormenor dos vídeos também não era do meu conhecimento... Na realidade o "tasco" é pouco visitado e por isso nunca soube... Ou então era mesmo por esse aspecto de ser vedado que nunca soube... Sou uma naba, é o que é! Muito obrigada pelas visitas que fez. Espero que volte e que não se choque com algum palavreado que possa ver por lá... Sou uma alfacinha com linguagem brejeira, por vezes... :)

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