© Paulo Abreu e Lima

terça-feira, 26 de março de 2013

cortesã, saloia e desavergonhada

 
 
 
Acredito que há bem mais de uma década que não percorria aquele caminho. Pelo menos assim, com a alma por cima, iluminando estradas e trilhos escurecidos pelas nuvens e pelas horas tardias que não passam mas ficam. Mentira. Nunca tinha partido do Cabo da Roca, do fim da côa mais alta da cordilheira da Serra da Estrela, serpenteando a Adraga, a Praia Grande e a Das Maçãs. A Serra, mais à frente, prossegue igualzinha sobre os carris do eléctrico. Mística e romântica como outrora, inspiradora como sempre.



D. Fernando de Saxe Coburg-Gotha, segundo rei consorte de D. Maria II, de origens bávaras, apaixonou-se perdidamente por aquela inédita beleza saloia; onde príncipes, reis, corte e outros burgueses rumavam de Lisboa – e do resto da Europa – em busca de bosques e campo, sombra e frescura verde luxuriante, no pico do Verão. Quase todos os palácios, palacetes e chalets foram edificados no esplendor romântico do século XIX (só o Castelo dos Mouros é medieval), mas foi D. Fernando, o rei artista, que das ruínas do antigo convento da Nossa Senhora da Pena, mandou construir um dos mais belos palácios europeus. O Palácio Nacional da Pena sintetiza, com os seus mais díspares estilos arquitectónicos, o auge de toda uma época etérea, fervilhante, em que pontificam e coabitam arte, literatura e estética; muros de musgo e líquenes, seculares carvalhos debruados por viçosas heras. Lá de baixo, já perto das faldas, ouvem-se, desde o século XII, as barganhas de galinhas e faisões vivos, queijos frescos e queijadas quentes e porcelanas pintalgadas da Feira de São Pedro.

Ninguém passou indiferente. Leiam:
«Hoje é o dia mais feliz da minha vida. Conheço a Itália, a Sicília, a Grécia e o Egipto, e nunca vi nada, nada, que valha a Pena. É a coisa mais bela que tenho visto. Este é o verdadeiro jardim de Klingsor - e, lá no alto, está o Castelo do Santo Graal.»  Richard Strauss  
«O mais abençoado lugar de todo o globo habitável»   Robert Southey 
 «Custou-me separar-me do meu caro e generoso amigo José e de toda a beleza de Sintra»  Hans Christian Andersen
«A vila de Sintra na Estremadura é, talvez, a mais bela do mundo inteiro» «Eis que em vários labirintos de montes e vales / surge o glorioso Eden de Sintra. / Ai de mim! Que pena ou que pincel / logrará jamais dizer a metade sequer / das belezas destas vistas (...)?»   Lord Byron
«No vão do arco, como dentro de uma pesada moldura de pedra, brilhava, à luz rica da tarde, um quadro maravilhoso, de uma composição quase fantástica, como a ilustração de uma bela lenda de cavalaria e de amor, Era no primeiro plano o terreno, deserto e verdejante, todo salpicado de botões amarelos; ao fundo, o renque cerrado de antigas árvores, com hera nos troncos, fazendo ao longo da grade uma muralha de folhagem reluzente; e, emergindo abruptamente dessa copada linha de bosque assoalhado, subia no pleno resplendor do dia, destacando vigorosamente num relevo nítido sobre o fundo do céu azul-claro, o cume airoso da serra, toda a cor de violeta-escura, coroada pelo Palácio da Pena, romântico e solitário no alto, com o seu parque sombrio aos pés, a torre esbelta perdida no ar, e as cúpulas brilhando ao sol como se fossem feitas de ouro (...)»  Eça de Queiroz 


21 comentários:

  1. Que lindo , Paulo....estou comovida com o texto, as fotos deslumbrantes,as recordações de infancia e adolescência, o romantismo dessa bela Sintra, local onde passei férias de dois meses numa casa com mata na Correnteza, que pertencia a um grande amigo do meu Pai, o eletrico para as Maçãs que víamos passar sentadas no muro, momentos de um recolhimento e felicidade ímpar, que nunca esquecerei.
    Foi em Sintra, que aos 13 anos descobri a escrita , passava horas a escrever histórias...e foi em Sintra que comemorei os meus 25 anos de casada ...

    Esta música é sagrada para mim, já sabes porquê.

    Posso pôr estas fotos no mey FB com a devida referência? É que são liiindas!

    Obrigada!

    Bjinho

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    1. É tão bom ter um comentário assim, como o seu. É que vem de dentro, sem filtros e chega aqui cru e autêntico. Muito obrigado, Amiga Virgínia. Mesmo.

      (Faça o que quiser com as fotografias, nem precisa perguntar)

      Beijos!

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  2. MUITÍSSIMO INTERESSANTE.

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    1. Muito obrigado, Nadinha.
      E continuação de boas navegações!

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  3. A minha infância decorreu entre as brumas das Azenhas do Mar onde meu pai tinha casa.
    Mais tarde eu e os meus irmãos havíamos de comprar três terrenos em Almoçageme. Só o mais velho construiu casa e lá habita. O meu filho Miguel foi nesse mar que quiz que as suas cinzas fossem lançadas.
    Para mim, ir à Praia das Maçãs ou passear-me por Sintra, onde costumo ficar, é como colírio para os olhos: lava-me a alma!

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    1. Gostava de ter uma casa no meio da Serra. Em segunda, terceira ou décima mão. Uma casa por lá tem de ser habitada por várias famílias de espíritos: uma madeira a estalar, uma porta a ranger, uma lua no pino do choupo, uma brisa da janela por afagar. Casas vivas... Medo? Só dos incêndios!
      Obrigado pelas palavras que aqui partilhou sobre o seu Miguel. Um Homem de muito bom gosto.

      Beijinhos!

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    2. Há, nessa zona, a Quinta da Capela, local para onde vou quando quero fugir do mundo. Enquanto não tiver essa casa de fantasmas, faça uma visita a esta. É bem capaz de ficar encantado!
      Bjos

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    3. Estive a ver imagens e informações aqui na net. Parece-me um local perfeito para um retiro espiritual... e não só. Sete quartos parece-me bem... :-)
      Bjos

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  4. Mesmo para quem não é muito romântico, é impossível não se deixar encantar pela beleza deslumbrante de Sintra, um lugar meio feérico e encantador, que parece fora do mundo e onde, como em Paris, mas de outra maneira, o amor apetece mais...

    Lindíssimo o post e mais fotografias daquelas suas, muito especiais, onde é bom demorar o olhar.

    Beijinho :)

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    1. Tenho do Romantismo do século XIX uma ideia diferente do que comumente se designa por romântico per se, como corrente que atravessou a literatura, a arte, a arquitectura, a música. Para mim, só existiu um verdadeiro romântico em Portugal. Alexandre Herculano. E não me lembro, com tristeza, de que alguma vez se tenha referido a Sinta. Uma pena...

      Muito obrigado e beijinhos:)

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    2. Afinal estava errado. Herculano escreveu avidamente sobre Sintra. Era impossível o Grande Romântico não tecer todas as considerações na defesa de tão bela Serra:

      «Em Sintra, por exemplo, cujos antigos bosques desapareceram há muito, e onde a cepa já começa a escassear, como é fácil de conhecer à simples inspecção do terreno correndo os recessos da serra, os habitantes daqueles contornos deviam, por muitas razões, mas sobretudo por causa do combustível, forcejar para que os cimos escalvados das cordilheiras se povoassem de pinhais ou de soutos e devesas de outras arvores, que esses magros terrenos consentissem. Independentemente das influências, que a nudez ou o selvoso daqueles escarpados rochedos possa ter na cultura dos campos vizinhos; ainda sem atender a que Sintra perde de dia para dia, pela devastação dos grandes vegetais, os encantos que aí atraem os felizes do mundo, e que por longos anos tem sido para os povos dos arredores um manancial de prosperidade; ao menos a consideração de que a falta de um dos objectos mais necessários à vida, igualmente indispensável para o rico e para o pobre, vai em sensível progresso, devia conduzi-los a reconhecer que a arborização da serra é reclamada talvez já pelo interesse da geração actual, e sem duvida pelo das gerações que hão de vir.»
      (in «Breves reflexões sobre alguns pontos de economia agrícola», do Tomo 7 dos Opúsculos)

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    3. (Às vezes a net - aliás, quase sempre - é bem mais rápida na consulta de alguns trechos do que a minha pequena biblioteca...)

      Bjos

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    4. Ó Paulo, obrigada pelo esclarecimento. Eu também gosto muito de Herculano e não conhecia este texto, nem qualquer outro dele sobre Sintra.
      O seu blog, além de todas as outras coisas boas, é também muito instrutivo :)

      Um grande beijinho

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  5. A minha avó tinha uma casa no meio da mata, junto à Igreja de Santa Maria, uma das mais lindas igrejas que conheço. A casa chamava-se Casa da Lapa por ter uma enorme pedra à entrada quase a cair para a estrada. Passei por lá muitas vezes, já a casa não era dela. Aí passava muitas férias e contava-nos como subia às árvores com os vestidos brancos compridos nada práticos para uma maria-rapaz que dizia ser. Sintra pertenceu ao meu imaginário desde sempre, íamos de Cascais lá apé, eram 13 kms, mas tudo a subir, bastante custoso. E fazíamos picnics na serra. Também lá estive um campo de férias da JECF, mesmo na serra....

    A minha composição na disciplina de Literatura Portuguesa no 7º ano era assim: Imagine que o escritor Almeida Garrett vai passar uns dias a casa de Alexandre Herculano em Colares (?). Descreva o encontro entre os dois referindo-se a obras que tenha lido.
    Achei fascinante. E consegui um 18, o único que houve no liceu e, salvo erro, no país. Nunca saberei o que escrevi, não me lembro, mas foi dos momentos mais felizes que vivi na minha adolescência, graças ao A.H e A.G:.....e a Sintra, que conhecia desde miúda.

    Obrigada pela inspiração.

    Bjo

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    1. Obrigado eu pela sua partilha, Virgínia. São estes comentários deliciosos que me mantêm por cá.

      Beijos!

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  6. Não, afinal a quinta de A.H. era em Vale de Lobos, perto de Santarém. Foi lá que ele viveu muitos anos e morreu em 1877.

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    1. Pois... já estava a achar estranho. Ainda hoje estava a ver com a Isabel as referências do Herculano a Sintra e essa dele ter vivido em Colares era uma falha imperdoável!

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  7. Só um pequeno comentário, este já de deformação profissional. Não é origem baviera, mas bávara. Passei tantos dias em Munique que aprendi muito sobre a Baviera. Não leves a mal.

    Bjinhos

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    1. Está corrigidíssimo, muito obrigado. Não é preciso viver um Munique para saber distinguir um substantivo de um adjectivo, caramba! Isto é no que dá não passar os textos pelo Word...

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  8. Meu querido Paulo
    Parabéns, parabéns, parabéns.
    Aqui fica só o abraço.
    A carta mai vai de seguida. Abreijo da Helena

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