© Paulo Abreu e Lima

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Peregrinação: Mont-Saint-Michel

Pelos meus seis sete anos os entretenimentos eram outros. Jogava-se à bola, ao berlinde, ao pião (ainda de madeira), à apanhada e andava-se muito de bicicleta (sem capacete, nem joelheiras...). Quando o clima não permitia ficava-se parvinho à espera da abertura da RTP pelas seis da tarde para ver os únicos desenhos animados do dia. Como muitos outros meninos, também fazia colecção de cromos. Uma delas chamava-se qualquer coisa parecida com "Maravilhas do Mundo" e um dos mais difíceis de obter e que mais me fascinava era o do Monte São Michel, qualquer coisa idêntica à imagem abaixo.
Imagem retirada do Google

Raio de monges beneditinos malucos que viviam cercados pelo mar no meio de nada! Quando a maré vazava percorriam o imenso areal em busca de conchas e búzios com os quais se inspiravam para lapidar granito. E se, pelo contrário, enchesse, tinham de fugir a galope a mais de 15 km por hora ou morriam afogados nas areias movediças. Por quê, para quê? – questionava, enquanto observava aquele insólito mosteiro no cromo mais valioso da colecção. Volvidos quase quarenta anos – nunca percebi porque nunca antes – eis-me peregrino em terras da bucólica Normandia, na fronteira com a Bretanha. Verdade que não foi a cavalo vindo de Itália, como sempre se fez por mais de mil anos, mas vindo da cidade-luz de popó. A dez quilómetros de estrada, por entre algumas árvores, finalmente vislumbrei a imponente abadia.
 
 
 

A cinco fiquei deslumbrado: estava prestes a chegar à fortaleza do Arcanjo Miguel.
 


A construção começou no ano de 708, vinte anos antes de Santiago de Compostela. À parte a lenda, que facilmente encontram pela net, a história da edificação da fortaleza teve origem nas negociações levadas a cabo entre o chefe dos Normandos e o rei dos Francos. Este cedia todo o vasto território desde que o grande chefe normando se convertesse cristão. Ele e, claro, todo o seu povo. Mais tarde, teve um papel decisivo na Guerra dos Cem Anos entre França e Inglaterra como forte e, há pouco menos de setenta anos, foi naqueles extensos areais que desembarcaram as tropas dos Aliados, no famoso Dia D, que iria de vez dar início ao começo da derrota nazi na Segunda Grande Guerra. Foi abadia, fortaleza, refúgio, prisão política (na Revolução Francesa), voltou a ser abadia e, hoje em dia, depois de Paris, é o local mais visitado de toda a França. Mas foi, sobretudo, um dos locais de peregrinação e de culto mais procurados no mundo, nunca tendo sido tomado ao longo destes 1300 anos.



Inicialmente erigido sob os cânones da arquitectura românica, foi sucessivamente restaurado com inspirações góticas. O penedo sobre o qual se ergue a abadia ao centro e no cimo e a aldeia à volta são todos de granito; razão pela qual a erosão sofrida por acção das marés, naquele local muito fortes, ter sido diminuta ao longo dos tempos. Ainda hoje, persiste uma pequena comunidade de monges beneditinos.

Vista da abadia para as perigosas areias da maré baixa - ao fundo, um aventureiro...


Claro que o valioso cromo ficou ainda mais esquecido e distinto nos confins da minha memória, porque na realidade o que vi foi uma extraordinária organização de todos os agentes envolvidos no complexo turístico (com shuttles de 2 em 2 minutos), uma aldeia de minúsculas vielas e inúmeras escadarias dentro da fortaleza que vive de pequenos hotéis, restaurantes e lojas de recordações e uma abadia colossal que se ergue a mais de duzentos metros acima do mar.


As pequenas vielas da aldeia
O jardim interior no cimo de uma das cúpulas

Em boa verdade, suei que me fartei e quase tudo era um estímulo para prosseguir mais um lanço de escadas.

Pela minha saúdinha como esta foto não foi intencional: disparei sem querer com a máquina ao pescoço. Quem se sentir visada, contacte-me, s.f.f.

Até a flecha que sustenta, cor de oiro, a estátua em bronze do Arcanjo Miguel. Fantástico, sublime. Esta caderneta valeu o cromo.


8 comentários:

  1. Estive em agosto e adorei.Ficamos num hotel dentro das muralhas que era um mimo.. à noite é muito mais giro, parece que estamos num castelo medieval(mas sem instrumentos de tortura ah ah ah :D ) Provou a famosa omelete? Cara, mas muito graaande..
    Adoramos

    há muito tempo que não passava por aqui <3

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    1. Olhe, Marta, não provei a famosa omelette soufflée Annette Poulard. Muito mais do que fome, tive sede, depois voltei ainda no mesmo dia a Paris. Imagino que aquilo à noite iluminado deva ser fantástico...

      :) Passe sempre que entender.

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  2. Já me ri com a espera das seis da tarde. Também eu esperava e mais, levantava-me de madrugada, porque se bem te lembras, também davam às sete da manhã... :)
    O monte? O monte é uma obra lendária e grandiosa que só por acaso, também conheço. Confesso que não povoava o meu imaginário, mas no fim de conhecê-lo passou a constar na minha lista de grandiosidades...

    ( Agora confessa, dá sempre jeito ter uma máquina ao pescoço, ou não? Dispara quando menos se espera, quando não queremos, quando o dedo resvala sem querer. Uma maçada, é o que é... :)

    Beijos...

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    1. Às sete da manhã? Isso não me lembro, mas como és muito mais novinha do que eu, deve ter sido num período intermédio.

      Olha CF, a palavra certa é essa mesma: uma maçada... :)))

      Beijos

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    2. Ora Paulo, eu não sou muito mais novinha do que tu, sabes bem disso. Diria até que teremos mais ou menos a mesma idade...

      :)

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    3. Disparate do tamanho que vai dos "entas" aos trintinhas. Mas, pronto, para a idade que tens, estás muito desenvolvida, sem dúvida...

      :)

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  3. Ó Paulo essa sua máquina é do sexo masculino. Mesmo sem querer, dispara na direcção certa...
    :-))

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    1. Ou pelo menos tem a mesma orientação sexual como aqui o dono, mas foi mesmo sem querer (o disparo, claro)! :-))

      (Sonhei consigo hoje, Helena. Temos de falar...)

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