© Paulo Abreu e Lima

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

comunicações

(Fotografia de Paulo Abreu e Lima)


Palavras não são mais do que construções externas, uma representação simbólica sem a qual a ideia seria impossível. Por isso não as considero pertença das bocas e dos ouvidos, dos canais de comunicação e dos códigos que as transformam em concepções entendidas por quem fala e por quem escuta. Palavras são muito mais do que isso, pelo que as encontro nas casas, nos bichos, nas flores e nos lugares, nos vazios de tudo, que não se tornam por isso, sítio nenhum. 

A minha casa fala comigo sem se esconder nos recantos, sem vergonhas que lhe tolham os passos, sem segredos abafados por sótãos e baús de espólios escondidos a morrer de saudades. Fala-me quando acordo e quando adormeço, pega-me ao colo se for caso disso, embala-me as fraquezas como quem aconselha uma criança acabada de cair nas garras do mundo e nunca deixo de a ouvir, estridente por entre quatro paredes silenciosas. Irrepreensíveis nos afectos. 

Os lugares vazios são outros que falam demais. Trazem palavrinhas pequenas imiscuídas no vento, no restolhar do Outono e no despertar na noite, que cai quando o sol se esconde a falar. Não sei se gosto ou se não. Não sei se o absoluto silêncio não me agradaria. Não sei ainda, e no limite, se a ausência de palavras e o vazio das ideias não nos farão falta de vez em quando, uns minutos ocos que nos permitissem a existência limpa de crostas e vicissitudes. Mas são as do tempo, admito, são as palavras do tempo, as que mais se me entranham. O tempo fala comigo em palavras sabedoras  que mais ninguém diz, em fragmentos de vida que se espelham nos minutos compassados da noite, no aconchego selecto do amor demorado. Às vezes fecho os olhos e fico perdida à escuta, tão nobres ecos merecem concentração.  Erro crasso, já percebi. As palavras das coisas aparecem clandestinas e não gostam de deambulações, nascem e morrem num instante esquecido, transparecem o que bem entendem em direcção ao momento e não permitem emendas ou excessos de averiguações. São para escutar calmamente sem retribuir, retirar o sumo e deixar passar, amanhã certamente, outras surgirão. Uma espécie particular de comunicação.

4 comentários:

  1. Viva CF. Seja bem vinda a este blog.
    Cada vez dou mais importância ao silêncio e ao uso da palavra sem som. Àquela que escrevemos e àquela que expressamos com o olhar.
    Num mundo em que a palavra é sinónimo de ressonância, os silêncios continuam a ser de ouro.
    Mas concordo consigo quando diz que animais e objectos têm voz. Quase sempre silenciosa...

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    1. Olá Helena, obrigada. :)
      A palavra silenciosa é, tal como diz, de imenso valor. Falo dos olhares, das escritas, mas também, de facto, de todas as outras. Os sítios, as coisas, os animais falam connosco, ainda que em silêncio. O segredo por vezes, é saber escutar...

      Um beijinho para si.

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  2. Neste caso, comunicação com bonitas palavras!
    ( As palavras também podem ser bonitas, não podem?! Eu acho que sim! )

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    1. :) Obrigada, Maria João.
      ( As palavras podem sempre ser bonitas, claro que sim. E também as das coisas, dos bichos e dos lugares...)

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