© Paulo Abreu e Lima

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

escolhas

Há muito tempo escolhi ser minha. Pertencia a mim, aos meus medos, aos meus fados e aos meus segredos, essencialmente ao meu corpo. Saía sempre com devida parcimónia, acolhida pelo rigor da pele que me guardava das tristezas e alegrias demasiadas, nunca fui de excessos frequentes. Não só por medo, nada disso, mas por suprema vontade de harmonia. Ora, todos sabemos o que nos traz o reverso. Há que preservar, há que guardar, há que moderar as arestas doces e amargas, não vá o corpo habituar-se e ressentir-se, na ausência de ter. Percebi porém que a nossa escolha é limitada. Não imputo à idade, não, para essa reservo a branquidão dos cabelos, as rugas nos olhos e nos cantinhos da boca,  a flacidez das carnes e o cansaço da vista, tudo coisas malvadas. Atribuo muito mais à intensidade do que se vai sentindo e que nos obriga a limitar as selecções, e aqui diria que são tudo coisas boas. É por isso que me rio a bom rir quando oiço falar em liberdade, aliada à supremacia da existência. Enquanto amarmos, e seja em que frente for, jamais seremos livres.

(E, Paulo, desculpa-me a ousadia de ensaiar de alguma forma prolongar o teu post. Foi uma vez sem exemplo, prometo...:)  )

14 comentários:

  1. Que prolongamento maravilhoso do texto do Paulo!

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    1. Obrigada Maria João... O Paulo é assim, dá motes também eles maravilhosos :) ...

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  2. Mas amar não será, afinal, a suprema liberdade?!

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    1. Não sei Helena, certamente depende da perspectiva com que encaramos a mesma. Se falarmos nela enquanto plenitude e capacidade de dádiva, de partilha e de vida, pode ser. Se a encararmos como uma construção de livre arbítrio, uma capacidade de proceder em conformidade com o que queremos ou delineamos, pode já não ser assim, na presença de quem amamos. Pensaremos por nós, em dualidade, e não como ser único. Não sou contra este tipo de pertença, é importante explicar, sou completamente a favor. Não viveríamos isolados, ai de nós. Só não sei se socialmente, em relação e amor, seremos efectivamente livres de escolher. A sermos, será em conjunto, numa amálgama entre nós próprios e outro alguém. Se é que me explico...

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  3. Sim e não. Percebo o que quer dizer, CF, mas também concordo com a Helena quando ela diz que "amar é a suprema liberdade". Porque mesmo numa vida vivida pelnamente a dois, a liberdade tem de preservar-se. A de poder ir e querer ficar, por exemplo. Aquilo de que fala, julgo é mais daquele "querer estar preso por vontade" de que já falava Camões. Não é?

    Beijinho

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    1. Não Isabel, não é. O que falo não é de quereres, falo da ligação que me une aos que eu amo, e pelos quais eu cedo. Quer queira, quer não queira... Dou-lhe um exemplo muito concreto: cedo inúmeras vezes pelo meu filho. Se poderia não ceder, em prol de mim? Poderia. Mas determinadas amarras não me deixam sequer considerar o assunto. E isto é só um exemplo, aliado à maternidade. Poderia deixa-lhe outros, que os há...

      Um beijinho também para si. :)

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  4. Percebo o que diz, mas acho que uma coisa não exclui a outra. Porque é a fortaleza do que nos liga a quem amamos que nos faz nem "sequer considerar o assunto" e antes de tudo dar, dar .dar. Na maternidade e nas mais diversas formas de que o amor pode revestir-se, digo eu.
    Agora calo-me...

    Bom fim de semana :)

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    1. Talvez porque para sermos realmente fortes, necessitamos do outro e dessa dádiva. A liberdade levada ao extremo, e aliada à condição humana, será uma limitação, e não uma coisa boa. Eu só seria totalmente livre e totalmente minha, se não amasse ninguém. Um ponto de vista, claro.

      Bom fim de semana :)

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  5. Continuo a pensar que mesmo quando se cede a amarras é em plena liberdade que o fazemos. "Fazemos" porque temos a liberdade de "não fazer".

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    1. Sem dúvida Helena. É em plena liberdade de opção perante o mundo, mas amarrada a si e aos seus sentires. Somos nós próprios que nos limitados, subjugados à grandeza dos afectos. Acho eu, claro. Acho pelo menos por mim...

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  6. TERESA PERALTAnovembro 15, 2013

    CF, se bem entendi, o amor, nas mais diversas formas, acaba, muitas vezes, por condicionar as nossas atitudes, em prol de uma harmonia conjunta, de modo a manter aquilo que é escolhido, por livre arbítrio: o próprio amor.... É isso que quer dizer?
    Um abraço para si.

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    1. Mais longe Teresa. Não falo na perca de liberdade construída só a bem da harmonia. Falo nos sentires profundos e ao quanto nos entregamos a eles. Mais por aí...

      Um abraço para si também.

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  7. "Eu só seria totalmente livre e totalmente minha, se não amasse ninguém".
    Totalmente sua, acredito. Totalmente livre já não sei porque para mim a liberdade define-se relativamente aos "outros". Se estes não existirem a minha liberdade não faz sentido. Penso eu...

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    1. Acredite que também para mim, o excesso de liberdade não faz qualquer sentido...

      ( A liberdade define-se em relação aos outros, claro, mas acho que também em relação a nós. Um conceito demasiado exigente que daria pano para mangas, digo eu... :) )

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