Ele, experiente, buscava a felicidade, ou lá o que isso era; ela, mais inocente, a realidade, certíssima do que esta seria. Ambos, por prudência, arreigavam cautelas, caldos e mazelas de uma certa moralidade assimétrica na inexactidão de costumes.
Ele, pachola, era um romântico por cartilha; tudo se pautava por uma primeira vez mesmo se desfeita em mil outras, prosseguindo avisado por degraus sinuosos com alvedrio e fervor. Sabedor da inevitabilidade que lhe sucumbia a têmpera e o coração, jamais se desviava um milímetro do seu desígnio. Imparável, o insolúvel.
Ela, mais insolente e cheia de si, só almejava auscultar a vida. Sentir-lhe a força de supetão sem amarras ou grilhetas; beijá-la na estranheza e enamorá-la pela certeza. Nunca pelo consolo ou descoberta, mas pela incerteza da queda certa. Insensata, a solúvel.
Volvidos anos, conhecem-se. Precisamente quando ele até já tinha renunciado à propalada felicidade e ela já se esquecera da tal da realidade. Sós, um diante do outro, sem palavras ou preceitos, moralismos ou preconceitos. Afinal, a nenhum dos dois foi dito que uma e outra, realidade e felicidade, não mais abundam por aí. São arremedos de torpedos inventados, às vezes, por aqui. Pelo lado de fora da paixão, exactamente por esse, pelo lado de dentro da comoção.
Este texto lembrou-me o poema de David Mourão-Ferreira: "E por vezes/ encontramos de nós em poucos meses / o que a noite nos fez em tantos anos". Diria, ainda assim ,que uma certa inquietude é essencial, sempre.
ResponderEliminar(Curiosidade minha - só responde se quiser: a fotografia é dos Açores?
Explico: como sabe, nunca fui aos Açores. Mas esta fotografia lembrou-me aquela saga do túnel, de há cerca de um ano ,e um post de que gostei muito "Medos" e que, de certo modo, para mim, até tem a ver com este).
Beijinho :)
"E por vezes fingimos que lembramos"...
Eliminar(Não, Isabel, é no Parque de Monserrate, em Sintra, distinguido este ano, entre quarenta, como o Jardim Europeu do Ano. Um luxo...)
Beijinho :)
Ó valha-me Deus! Achei o texto lindo mas perdi-me nos meandros do solúvel e insolúvel, da paixão e da comoção, do dentro e do fora. Gosto e não sei porque gosto. Estou a perder qualidades, está de ver...
ResponderEliminarAmanhã, por ventura mais inteligente, relerei!
Atrevo-me a "explicar" porque gosta:
Eliminar"Ele", o insolúvel imparável, finalmente encontrou "Ela", a solúvel insensata, na comoção que sai do lado de dentro da paixão, ou melhor, quando tudo parecia perdido em ambos (felicidade e realidade), eis que num mero encontro de diversas vontades pode surtir Amor.
E a Helena, pragmática entre o custo e o benefício, gosta quando tudo começa e acaba bem. Podia ser mais incisivo, mas acho que já lhe disse pessoalmente qual o seu maior predicado...
Abreijo