© Paulo Abreu e Lima

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

às vezes...


 


Ele, experiente, buscava a felicidade, ou lá o que isso era; ela, mais inocente, a realidade, certíssima do que esta seria. Ambos, por prudência, arreigavam cautelas, caldos e mazelas de uma certa moralidade assimétrica na inexactidão de costumes.
 
Ele, pachola, era um romântico por cartilha; tudo se pautava por uma primeira vez mesmo se desfeita em mil outras, prosseguindo avisado por degraus sinuosos com alvedrio e fervor. Sabedor da inevitabilidade que lhe sucumbia a têmpera e o coração, jamais se desviava um milímetro do seu desígnio. Imparável, o insolúvel.
 
Ela, mais insolente e cheia de si, só almejava auscultar a vida. Sentir-lhe a força de supetão sem amarras ou grilhetas; beijá-la na estranheza e enamorá-la pela certeza. Nunca pelo consolo ou descoberta, mas pela incerteza da queda certa. Insensata, a solúvel.
 
Volvidos anos, conhecem-se. Precisamente quando ele até já tinha renunciado à propalada felicidade e ela já se esquecera da tal da realidade. Sós, um diante do outro, sem palavras ou preceitos, moralismos ou preconceitos. Afinal, a nenhum dos dois foi dito que uma e outra, realidade e felicidade, não mais abundam por aí. São arremedos de torpedos inventados, às vezes, por aqui. Pelo lado de fora da paixão, exactamente por esse, pelo lado de dentro da comoção.

4 comentários:

  1. Este texto lembrou-me o poema de David Mourão-Ferreira: "E por vezes/ encontramos de nós em poucos meses / o que a noite nos fez em tantos anos". Diria, ainda assim ,que uma certa inquietude é essencial, sempre.

    (Curiosidade minha - só responde se quiser: a fotografia é dos Açores?
    Explico: como sabe, nunca fui aos Açores. Mas esta fotografia lembrou-me aquela saga do túnel, de há cerca de um ano ,e um post de que gostei muito "Medos" e que, de certo modo, para mim, até tem a ver com este).

    Beijinho :)

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    1. "E por vezes fingimos que lembramos"...

      (Não, Isabel, é no Parque de Monserrate, em Sintra, distinguido este ano, entre quarenta, como o Jardim Europeu do Ano. Um luxo...)

      Beijinho :)

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  2. Ó valha-me Deus! Achei o texto lindo mas perdi-me nos meandros do solúvel e insolúvel, da paixão e da comoção, do dentro e do fora. Gosto e não sei porque gosto. Estou a perder qualidades, está de ver...
    Amanhã, por ventura mais inteligente, relerei!

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    1. Atrevo-me a "explicar" porque gosta:

      "Ele", o insolúvel imparável, finalmente encontrou "Ela", a solúvel insensata, na comoção que sai do lado de dentro da paixão, ou melhor, quando tudo parecia perdido em ambos (felicidade e realidade), eis que num mero encontro de diversas vontades pode surtir Amor.

      E a Helena, pragmática entre o custo e o benefício, gosta quando tudo começa e acaba bem. Podia ser mais incisivo, mas acho que já lhe disse pessoalmente qual o seu maior predicado...

      Abreijo

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