© Paulo Abreu e Lima

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

sexto sentido

Não conheço a vida das mulheres de sempre. Sei a minha de cor, desde os vagares da alma às pressas do corpo que se esgueira trilho afora, numa amálgama de afazeres seguidinhos e ritmados. Pudesse e dedicava-me só a elas, sem desprimor do inverso, claro, nada tenho contra tão nobre condição. Mas é que cada vez mais me interessam as farçadas obscuras dos corpos femininos, as fragilidades maquilhadas na cor que disfarça as crises, as ânsias circunspectas de compreender o impossível e de encontrar nos sentidos a justificação para a lógica, parece-me tão mas tão bem, afinal temos mais um. O meu não é muito nem é pouco, acompanha-me do lado de fora da vida, cheiro-o nos olhos do mundo, apreendo-o nas palmas das mãos e permito que se aloje como uma pequena sabedoria sensata que faz mais por mim do que muitas grandiosidades. Todas o temos e nunca morre, guia-nos sem falhas por caminhos certos ou errados, que sabemos mas teimamos, por escadinhas negras que nos levam ao cume dos montes, por momentos que guardamos num local acessível, ao lado dos olhos, por onde espreitamos a nossa vocação. Esta capacidade faz com que nos emane do corpo uma névoa harmoniosa, uma áurea prudente e amena que sossega os desaire do mundos, uma mística envolvente e pertinente que acalenta ou desassossega a dureza do sexo oposto. Porém, não é essa a nossa função. Não trata aqui qualquer presunção sedativa, qualquer verdade caprichosa, qualquer valor terminante. Trata apenas e só a nossa humilde crença na força interna, como um caminho a escolher.

(A mulher que me ensinou isto morreu há muito, e hoje é o dia da saudade. Não lhe herdei a abrangência da força, seria impossível, guardei-lhe somente a admiração por ela. Um dia ainda me dedico mesmo a sério ao assunto. Imiscuo-me no universo das matriarcas e disseco-lhe os poderes do corpo, o vigor das palavras e o sossego dos colos. Analiso ao pormenor o tamanho do amor, percebo por onde lhes escorre a ordem, concluo de que maneira fabricam a paz, interiorizo por que meandros acalmam os sofrimentos. Tudo isto apenas para poder explicar ao mundo o segredo da fragilidade interna do processo. Pela consistência do resto, aposto que ninguém acredita.)

2 comentários:

  1. Ui! CF
    Em que matéria a minha amiga se meteu. Primeiro, falar dos sentidos. Depois ousar o sexto, aquele que nos permite enxergar mais longe, cheirar a milimétrica diferença, saborear à exaustão, ouvir as palavras que se não dizem e tactear com deleite o que nos é oferecido.
    Mágico, o sexto sentido é o maior de todos os sentidos que as mulheres possuem e causa de muitas das suas desventuras ou inimagináveis felicidades!
    Que seria de nós, mulheres, sem ele?
    Abraço

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    1. :) Não sei o que seríamos Helena, mas seríamos certamente muito menos. Faz parte de uma mística, inacessível ao sexo oposto, que talvez por isso não saiba muito bem se a venere se a desdenhe... No fundo, é uma parte significativa da nossa condição, enquanto mulheres, mães e pessoas...

      Um abraço para si também.

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