© Paulo Abreu e Lima

sábado, 29 de março de 2014

causas nossas

Não aprecio a expressão que afirma em força andarmos todos aqui para o mesmo. Não andamos, cada um anda para e por determinadas coisas, muito além das básicas necessárias à subsistência. As primárias sim, são comuns, mas a vida individual é a excepção, não a generalidade, o mediano, a moda, o hábito exagerado. Descobrir as próprias causas talvez seja um dos nossos maiores desafios. Porque as causas dos outros desenham-se à légua, à distância de um Oceano, ao intervalo de uma vida, à rapidez de um segundo. Depois à noite, nas horas de vazio, surgem os nossos porquês. O quase sono tem destas coisas, entrega-nos à mercê da dúvida e abandona-nos ao ritmo certo do respirar continuado que se escuta, junto ao bater do coração (odeio sentir a funcionalidade precisa do meu corpo. Repulso o vazio exagerado que me permite a atenção focalizada nos batimentos cardíacos, nas entranhas revoltadas, nas palpitações descontroladas). Ainda assim e mesmo à noite, concluir coisas nossas nem sempre é fácil nem certo. Fácil fácil, dizia eu,  é o móbil distante. Invejável invejável, são os sonhos cor de rosa dos outros. Condenável condenável, é a vida alheia, fácil e escorreita, sem entraves ou barreiras, alçadas ou embaraços. Quanto a nós, é certinho e direitinho, não há como enganar: seguimos sempre em frente e sem olhar para a retaguarda, atravessamos estradas sem espreitar os autocarros, não perdemos tempo em acelerar na direcção dos sonhos nem das ambições momentâneas, mesmo que para isso atropelemos os princípios e os cuidados. E por vezes, tantas vezes, sabemos lá para onde vamos, desde que o bem estar se assome, mesmo sem olhar a meios. 

Deveríamos instaurar uns minutos de reflexão por dia para pensar nisso, a iniciar na escola durante a hora do lanche, que a mesa, quanto a mim, sempre foi boa conselheira. Entre o pacote de leite e o papo-seco, todos os jovens deveriam pensar no porquê de estarem cá, no caminho que querem escolher, nos ossos que escolhem roer. Deveríamos falar, pensar e sentir desde cedo, sobre quanto custa uma empreitada, de quantos cestos se faz uma vindima, do número de passos que são precisos para chegar ao topo da cidade, dos livros que precisamos de ler para conhecermos alguma (pouca) verdade. Mas não se pensa muito nisso. Apostamos o mundo e o apuramento dos sentidos na direcção da sapiência monitorizada, enchem-se as cabecinhas de experiências feitas sem necessidade de comprovação, dotam-se os jovens de fins comuns e desvalorizam-se muitas vezes as diferenças individuais. Ensina-se que mais depressa se chega ao cimo com o compadrio do que com a subida a pulso, que perdeu na escalada do oportunismo, o individualismo sobrepôs-se ao social e o aprumo morreu ressequido, na berma da estrada de um baldio qualquer. 

Um dia, bem perto, andaremos quase todos para o mesmo sim,  o que é de uma tristeza tremenda. Exceptuando talvez um conjunto magro de excepções à regra, aquele número que olha ao contrário e que usualmente está a caminhar para o lado inverso de tudo o que parece fazer sentido. E o que será que faz sentido? 

9 comentários:

  1. https://www.facebook.com/maria.pires.395

    ResponderEliminar
  2. Descobri por interposta pessoa que o Paulo comemorou mais um aniversário. Através das palavras bonitas, soltas e frescas que a Isabel Mouzinho usa para dizer seja o que for. Na época do FB quem não tem conta arrisca-se a que não o congratulem nos aniversários :), mas vejo que acabamos por tropeçar sempre em algo ou alguém para no-lo lembrar. Um abraço de parabéns, conte muitos e tudo de bom

    Nelson

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Amigo Nelson, apesar das sempre «palavras bonitas, soltas e frescas que a Isabel Mouzinho usa para dizer seja o que for», o meu caro amigo sabe que tenho FB e, inclusive, até somos colegas "facebookianos" :) O que se passou é que retirei do cadastro a insignificante ocorrência.

      Muito obrigado, grato pelas felicitações, desejo para si e para os seus tudo, igualmente, de bom.
      Abraço!

      Eliminar
  3. Insignificante?! Homessa!
    Mas fiquei sem saber o dia. Da idade não preciso!
    Abraço atrasado.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ó Helena, que disparate! Depois, embora não pareça, o dia é bem menor do que a idade. É no que dá mudar de telemóvel... :-))

      Abraço forte e quente.

      Eliminar
  4. Parabéns Paulo pelo seu aniversário.
    Não tem sido muito comum discordar de si, mas desta vez tem mesmo que ser :) ... O nascimento de um novo ser não é, nunca, uma insignificante ocorrência. Logo ... há que festejar!!! :)

    ResponderEliminar
  5. Isso, isso, a vida não é insignificante, e diria, nunca. Parabéns super atrasados :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Nunca é super tarde para felicitar, muito obrigado, Fátima :)

      Eliminar