© Paulo Abreu e Lima

quarta-feira, 12 de março de 2014

silêncio

Entupi-me de lágrimas em frente ao espelho. Assoei o nariz vermelho e deitei cá para fora os dias medonhos que quase me engoliram o corpo de golada, quando isso acontece costumo recitar o mantra que diz que todos os dias de manhã deveremos sorrir para nós. A maldita da frase só não me elucida sobre o que deverei fazer aos olhos vencidos, como poderei delinear a boca cerzida, como conseguirei enfeitar as maçãs do rosto, quase retiradas, para sítio nenhum. Nessas alturas tenho vontade de silenciar a cabeça que insiste no dito até ao infinito. Apetece-me ainda matar as teorias bonitas que encostam sofrimentos a percursos, que juntam dor com crescimento, que ligam a dificuldade com a vitória e a posterior serenidade. É isso e calar o mundo de voz e de vez. Aborrecem-me as palavras vãs que trilham os percursos vácuos de coisa alguma, que dão a volta ao achado erudito da imponente sapiência, que escorregam na execução como quem resvala num monte frágil de areia, que voa com o vento e que se dissipa com o tempo. As palavras sem sentido aborrecem-me a alma, mas vale-me o sol que me enrija o corpo. As mulheres, e perdoem-me a insistência, precisam de força.

(Emudecer o mundo é remédio impossível, o mundo que não sabe jamais se calará. É como a mota que perigosamente ameaçava os tímpanos dos ouvidos do meu filho, hoje pela manhã: Não anda nada mãe, mas faz tanto barulho... Ele ainda não sabe, mas a vida a sério não é só das palavras, é também dos silêncios. Muitas vezes as ditas servem só para embelezar, para enaltecer, para resumir, para atrapalhar, para perigosamente reduzir.)

4 comentários:

  1. Tem razão CF, às vezes as palavras são tremendamente redutoras e parecem-nos não servir para nada. E por isso sobra o silêncio.
    As mulheres, como diz, "precisam de força" e, em geral, têm-na, ainda que ela possa a espaços fugir-lhes, pelas mais variadas razões.

    (Bonito texto, este, apesar do tom magoado...)

    Beijinho

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    1. As mulheres no geral têm força, de facto. E mesmo quando a dita lhes foge, são hábeis na arte de a reencontrar...

      (Obrigada pela simpatia Isabel. O tom magoado é apenas um reequilíbrio, que faz parte da referida arte... :))

      Um beijinho para si.

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  2. Às vezes esquecemos que, mais do que as palavras, o silêncio pode dizer tudo, resolver tudo, construir tudo. Muitas vezes é, por excelência, o mais eficaz meio de comunicação. O silêncio e o gesto.

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    1. Caro colega, bem-vindo à minha caixa de comentários... :)

      Não fosse eu saber que a palavra é a base da nossa construção mental, e louvaria o silêncio (e os gestos, sim), muito além do razoável. Assim dedico-lhe um lugar muitíssimo especial. É lá que me encontro e é lá, acima de tudo, que encontro o resto do mundo. Quase sempre muito mais do que na palavra dita...

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