© Paulo Abreu e Lima

sexta-feira, 30 de maio de 2014

o estafermo do caminho

Trabalho desde que me lembro de ser gente. Cumpro os meus imposto, pago as minhas prestações, liquido antecipadamente contribuições autárquicas e outras incumbências impostas pelo Estado. Ralho, ralho de forma acesa com quem não aprecia trabalhar, com quem vive à conta das fontes quase secas do País, critico quem me foge do trabalho que proponho porque o horário obriga a fins-de-semana, valha-me-Deus que jamais trabalharei ao Domingo. Irrita-me quem espera que a vida passe, quem julga que é no ócio que se encontra a virtude, quem espera em vez de procurar, e por conseguinte esforço-me na maioria dos dias da minha vida. Saio quase sempre cedo e chego por vezes tarde, aguento com ansiedades até horas tardias, escuto o drama do Parkinson precoce em tardes de Domingo soalheiro e por vezes, quase sempre, fico para trás no ranking das minhas prioridades. Depois, num fraco momento em que a realidade liga a minha vida, com um cabo directo, às finanças e ao País, descubro que o fraco excedente, o que apartei com jeito e paciência, o que poupei em devaneios por mero cansaço ou por rigor de responsabilidade, marcha directamente para os cofres do Estado! Não, não vou mudar de lado, e certamente também não mudarei de País. Mas devagarinho, a pouco e pouco, vou compreendendo melhor o povo que prefere ficar a ver, em vez de participar. Valha-nos isto, tudo tem um lado bom, e eu sou uma pessoa que precisa de entender a realidade circundante para poder viver nela. Acabei de dar um passo significativo nesse percurso importante. O caminho, esse estafermo de uma figa, faz-se sempre caminhando. 

4 comentários:

  1. Concordo em absoluto com a sua última frase, CF. O caminho faz-se caminhando, sim, mesmo se o achamos um "estafermo" (adoro esta palavra!), até porque tantas vezes nos troca as voltas, ou nos faz tropeçar. O que assusta e atrai, em simultâneo, é não saber como vai ser lá para diante.
    Mas não compreendo tão bem isso de "ficar a ver em vez de participar". Será da minha maneira de ser, talvez, mas gosto de participar sempre, ainda que o meu contributo possa não ser gigantesco.

    Um beijinho :)

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    1. Também prefiro Isabel. Mas por vezes, em determinadas situações, quase que os invejo. Mas passa, passa num instante... :)

      Beijinho para si.

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  2. Pois eu julgo que, a partir do momento em que são sempre os mesmos sacrificados - nomeadamente aqueles que já não podem dar volta ao futuro -, há um direito adquirido a não participar!

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    1. Normalmente os sacrificados são sempre os mesmos, sim. O direito adquirido a não participar, enfim, é sempre delicado... Será que podemos? Ou melhor ainda, será que devemos?...

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