© Paulo Abreu e Lima

quinta-feira, 10 de julho de 2014

lugares

Tenho uma amiga que fez um filho sozinha. Não sei por que manobras se perdeu, que boca beijou, que pescoço agarrou, em que ouvido gemeu. Não faço a mais pequena ideia quem foi o homem que lhe segurou as ancas, que lhe abriu as pernas, que a perfurou até ao lugar sagrado (o único lugar sagrado que eu conheço). Desde esse dia que a encontro largada, desamparada num destino que escolheu solitária, num caminho de dois pés, uma barriga, duas mãos e um corpo, que daqui a nada vai parir um bebé de um só colo. É por isto que eu venero a maternidade até ao limite das minhas forças. É por isso que a considero a tarefa mais plena e ao mesmo tempo mais árdua que Deus ao mundo deitou. Uma mãe em gestação é uma mãe de alma e mãe de corpo, uma mãe que alimenta e uma mãe que sustenta, uma mãe que ampara e uma mãe que se entrega. Um pai em gestação tem o domínio da opção. Pode estar ou pode não estar, pode ficar de corpo sem alma ou de alma sem corpo, pode amparar ou pode só olhar, de perto, de longe ou até de cima, numa distância de segurança, abaixo da qual é o lugar da mãe. Esse lugar, da mãe e só da mãe, é aquele que é conhecido e sabido de todas as mulheres mães, um lugar onde se encontram partilhas e medos maiores, o melhor e o pior lugar de todos os lugares. Tenho todo o respeito pelos pais que escolhem a mãe e o filho. E tenho um profundo desprezo pelos que se escolhem a si.

2 comentários:

  1. Excelente, Carla, subscrevo inteiramente. Fez-me lembrar uma peça de teatro que vi na semana passada, em Aveiro, "Bouquet", sobre a força e a condição feminina, por opção ou forçada, desculpem o quase pleonasmo, e sobre a qual ainda pretendo escrever umas linhas.
    Boas férias, não tinha aparecido por aqui há algum tempo porque andei com excesso de trabalho. Beijinhos

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    1. Chegaram as férias, então. Bom vinda Fátima, como sempre. E obrigada pela simpatia. Um beijinho. :)

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