© Paulo Abreu e Lima

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

O mistério da bondade

 
Com o passar dos anos vamos sentindo em paralelo duas certezas que se acentuam no seu antagonismo. Uma é a convicção de que já aprendemos umas coisas; outra, a de que afinal não aprendemos nada. Não estou a falar da velha máxima em que se fundeia a dialéctica socrática: quanto mais conheces, mais questões ficam por deslindar. Ironia e maiêutica à parte. Nem sequer partilho com Jacques Lacan a ideia de que aquele (Sócrates) foi o verdadeiro percursor da psicanálise, note-se – o solilóquio não substitui o diálogo, nem os mecanismos de formação de conhecimento estão libertos de associações livres. Falo de algo bem mais simples. Experiências passadas ou a aprendizagem com erros repetidos não são garantes suficientes para se alcançar imunidade aos enganos. Muitas vezes somos atraídos pela estética do abismo. E se, por exemplo, a lógica do amor não se discute, o ardil do desejo trai-nos reiteradamente. Com a agravante que pode e deve, sim, ser minuciosamente dissecado. Todo aquele que, ao longo da vida, diz saber umas coisas deseja conhecê-las melhor, e a ética do pequeno conhecimento, como a do grande desejo, instiga à assunção do desconhecimento. O tempo oferece tantas oportunidades de saber como de ignorar. E a consciência plena de ambas as realidades não faz de nós mais ou menos sábios, apenas mais ou menos tolerantes. Sem ornatos, melhores ou piores pessoas. Eis o mistério da bondade.

17 comentários:

  1. Não sei se é o mistério da bondade, mas certamente que nos tornamos "mais bons".

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    1. Sem dúvida que sim, Mãe Sabichona.

      (Nota: quando voltei a ler o post reparei que o uso propositado do "mais ou menos bons" poderia remeter para a utilização indevida dos comparativos de "bom", assim optei por alterar a frase que citou. Peço-lhe que não leve a mal, MS)

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  2. Penso que o aumento da tolerância nos diminui a criação de demasiadas expectativas, muitas vezes sem sentido, e isso sim, faz-nos melhores pessoas para nós e para os outros.

    Bom dia :)

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    1. Exacto. E não ceder à tentação de ficar agarrado ao que se pensa já saber, nem ao que se pensa desconhecer.

      Bom dia :)

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  3. Não sei se com o conhecimento das coisas nos tornamos mais tolerantes. A rotina e o cansaço contribuem para a intolerância e impaciência. Mas não para desistir de conhecer. E conhecer talvez nos torne melhores, mas simultaneamente cria uma ausência de novidade que fere.

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    1. Virgínia,

      À medida que o tempo passa não sente que já sabe umas coisas da vida? Ao mesmo tempo, de supetão, não constata que afinal não sabe muitas outras (e às vezes as mesmas que julgava saber)? Ora, foi nesta dicotomia em que me foquei: aprender a ser tolerante com ambas as vertentes tem muito o que se diga e pode, sim, fazer de nós melhores pessoas, ou piores. Tal como o vinho, com a idade podemos ficar mais equilibrados ou azedar.

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    2. Conhecer pode ser bom e mau. às vezes gostava de ter 20 anos e não saber o que sei hoje..... :)

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    3. Mas olhe que até o Peter Pan vai aprendendo umas coisas :)

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  4. Mais tolerantes sim e também mais serenos, porque o tempo ensina-nos a relativizar tudo um pouco mais. (Até a música que acompanha o post tem a ver também, ou mais uma feliz junção - de que gostei muito).

    ´Também não sei se "bondade" será a palavra, mas a maneira como formula o que quer dizer é interessante e bonita. E a analogia com o vinho, adoro! ;)

    Beijinho :)

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    1. A idade tanto pode relativizar como pode desequilibrar, daí a importância da abertura à tolerância e esta não se desencanta com maldadezinhas.

      Beijinho :)

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  5. Eu aprendi algumas coisas ao longo da minha vida, é verdade. Mas o que mais me acontece é aprender que afinal sei muito pouco. Mas eu gosto. Penso mais.
    Quanto á bondade ... O que é a bondade?
    Gostei deste post, Paulo

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    1. Aqui neste texto a bondade é sobretudo uma conduta ética sem jurisdição. É por aí, Maria João.
      Obrigado :)

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  6. Paulo
    No meu caso pessoal os anos não mudaram o essencial. Mas mudaram a forma como esse essencial é vivido.
    Conheço-me melhor mas tornei mais selectiva a minha necessidade de conhecer os outros. E mais exigente ainda no que "quero" conhecer. Antes, quase tudo me interessava. Hoje, há coisas que desconheço e...não tenho o mínimo interesse em conhecer!
    Ou seja talvez saiba, agora, menos. Mas sei muito melhor. O que significa que já muito poucas coisa me surpreendem, porque ou não as conheço, ou não as quero conhecer.

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    1. Sinal evidente que geriu bem a dicotomia entre o que já sabia e o que desconhecia, ou seja, soube o que não queria conhecer. Não cedeu por isso à estética do desejo, ficou-se pela ética e o bom senso.

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  7. Bem vistas as coisas, e a ignorância é a base do desejo. Não creio que a alternância entre a sabedoria e a ignorância nos vá tornando melhores. Acredito, piamente, que a bondade enquanto conceito não existe, e como tal não consigo considerá-la. O que talvez aconteça é uma evolução de espírito que nos permita uma auto consciência maior. De capacidade e consequentemente de limitação. Ui, a mim faz-me doer. A ti não?

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    1. A ignorância é, sim, a base do desejo, contudo não falo em alternância, mas em coexistência entre sabedoria e ignorância. Quanto à bondade que refiro, não tem nada de moral ou até de divino, insere-se na conduta que escolhemos, logo no plano filosófico da Ética. A capacidade e a limitação são partes integrantes da evolução que referes, logo, ou se aprende a lidar com ambas ou é uma carga de trabalhos... daí ter falado em tolerância como conduta bondosa. O processo de crescimento é muito doloroso... nada como umas boas escapadinhas, portanto :))

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    2. As escapadinhas fazem parte integrante do crescimento. Será também nelas que acomodamos o que deveremos acomodar... :)

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