© Paulo Abreu e Lima

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

escrever

Longe vai o tempo em que escrever linhas me soltava a existência. Estão distantes as horas em que as frases me liam, as palavras me encontravam, os textos me traziam de volta à humanidade. Nessas horas a urgência básica insurgia-se como um temporal que me obrigava a abrigar o corpo no escuro, local onde as letras me brotavam das mãos como quem procura um alfabeto que oriente a libertação da ordem. Poderia surgir um raciocínio escorreito ou um devaneio doente, dependia do estado de espírito, mas a função era invariavelmente cumprida. Hoje continuo a escrever de vez em quando, continuo a procurar nos textos o encontro, insisto em avistar do alto da história uma quietação possível de existir até ao momento seguinte da desordem, mas não adianta, não encontro coisa nenhuma. A culpa, concluo, não é minha, sequer da escrita. A culpa é do cansaço, e a razão da continuidade é o hábito, o costume e a crença. 

4 comentários:

  1. Creio que a culpa é desta alma lusa caro CF. Esta tristeza, este fado...
    Calha a todos, especialmente aos sensíveis e friorentos, que se cobrem com palavras...

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    1. As palavras cobrem qualquer um. Não só os sensíveis e friorentos...:)

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  2. Se essa é a sua experiência, CF, não se nota. O seu texto é fluido, profundo, libertador, lúcido. Gosto muito de ler prosa assim...bem mais do que os lugares comuns que enxameiam as redes sociais ou os blogues políticos. Continue....e vá pondo uma foto do meu amigo Paulo a condizer. Ele é mestre nessa arte ( e não só).
    Beijinho

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    1. Obrigada pela simpatia Virgínia. Há coisas, que só o próprio é capaz de notar...

      Vou pondo, por vezes calha. Outras nem tanto, mas fazem falta. Embelezam qualquer texto, é um facto...

      Beijinho para si também.

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