© Paulo Abreu e Lima

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Longe da vista, longe do coração

Acho que este provérbio se encaixa na perfeição no meu tónus relacional. Sei-o frio e pouco romântico, mas não deixa de ser uma forma de guarda eficaz e, acima de tudo, pragmática. Mas não tens saudades? Tenho, mas não devo nem posso viver delas. Posso, sim, viver com elas. Nós, portugueses, temos a mania que a palavra saudade só existe na nossa língua. É capaz, só conheço três ou quatro mas, como escreveu Schopenhauer, as línguas não são só palavras que se traduzem umas das outras. Mais do que palavras, são constituídas por conceitos intrínsecos, por consciências muito próprias dos povos e das suas pertenças, e estes não são traduzíveis numa só palavra para outra língua, nem sequer numa frase ou num livro. No caso, falava do alemão, mas principalmente do latim e do grego antigo, línguas mortas. Lá está, longe da vista.

20 comentários:

  1. A palavra Sehnsucht é muito semelhante a saudade.

    A saudade é uma constante quando se está longe, mas vamos sublimando esse sentimento com paliativos....

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    1. Desde que não tome conta de nós, saudade é uma coisa boa, ninguém tem saudade de coisas más.

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    2. Quando vejo os meus netos no skype, fico com Mais saudades, sehnsucht, desejos de tudo e de nada. Sorrow e rio so mm tempo.

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    3. Compreendo, Virgínia, garanto que compreendo o que a distância nos pode fazer. Mas, se me permite um conselho, mesmo com eles no peito, tente ocupar o seu tempo com coisas que a disponham bem, que a façam vibrar, viva também em função de si e dos seus desejos. É nova, trate bem de si.

      Com carinho.

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  2. Acho que estar longe da vista ajuda muito. Mas quando a profundidade da relação é muito grande, a existência do outro acompanha-nos.

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    1. Completamente. Sinto isso quando me acontece algo de muito bom, ou vejo alguma coisa extraordinária. Necessito de partilhar, se possível, com quem mais gostamos e não está connosco.

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  3. Mais do que uma palavra, Saudade é uma consciência, uma construção cultural. Também não acho que a palavra Saudade seja intraduzível, mas não é certamente traduzível numa só palavra para outra língua. No alemão, por exemplo, a palavra Saudade pode ser traduzida pelo substantivo “Sehnsucht” ou pelo verbo “sich sehnen”. No entanto, “Sehnsucht” pode referir-se também a desejos futuros, ainda não concretizados, o que em português corresponde a “ansiar por”. Diferentemente de Saudade, “Sehnsucht” volta-se, sobretudo, para o futuro. Já a saudade projeta um passado idealizado para um futuro. Cada língua é, portanto, um lugar de onde se vê o mundo :)

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    1. Diria mais, cada língua é per se um mundo e estes apenas se podem assemelhar (traduzir), mas nunca são iguais (decalcados). Sehnsucht, como Saudade, refere-se sempre a coisas boas. A primeira, uma espécie de nostalgia ainda por completar e a segunda uma nostalgia por recuperar. Só conhecendo os povos é que percebemos do verdadeiro significado das suas palavras :)

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    2. É verdade. Só conhecendo os povos por dentro é que se conhece a essência e o significado das suas palavras. Cada palavra encerra um mundo.

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    3. Completamente de acordo. Lembrei-me de outra palavra em francês dificilmente traduzível numa só portuguesa: exquis. Sejamos sempre exquis :)

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  4. Gosto especialmente deste tema, Paulo. Detenho-me no provérbio do título, que me lembra imediatamente outro: "Quem desaparece, esquece." Um e outro podem ser ou não verdade, consoante as pessoas e as situações. Porque muitas vezes pode-se também estar "longe da vista", mas coladinho ao coração.
    E há depois a questão da saudade. Independentemente das línguas e das palavras, a saudade é um sentimento muito português, que mistura afecto e nostalgia, e está por isso muito ligado à nossa forma dorida e sonhadora de encarar a vida e à nossa propensão para o sofrimento (veja-se o fado).
    Há de resto uma crónica já antiga de Miguel Esteves Cardoso "A aventura das saudades" onde ele diz, por exemplo, isto: "O coração português vive mal. Toda a gente faz falta. A saudade é geral. (...) Morremos de saudades. Os Portugueses gerem a saudade como quem gere um tesouro (... ) Matar uma saudade é quase um crime. (...) A saudade é só uma coisa que a gente arranjou para se consolar".
    Esta nossa maneira de viver a saudade é que é intraduzível, porque as línguas são muito mais do que palavras. Cada uma encerra em si uma mundividência própria e tem um efeito de ressonância em nós absolutamente impossível de transpor inteiramente para outra. A tradução de um poema poderá ser outro lindíssimo poema, mas nunca será o mesmo. Como produzir o mesmo efeito de "les sanglots longs des violons de l'automne" noutra língua que soe tão melodiosamente como em francês?

    Enfim, páro por aqui...

    (Quanto ao resto, mais uma felicíssima combinação de texto, imagem e música. Tudo muito bonito, como de costume...)

    Beijinho :)

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    1. Concordo em parte com o que diz sobre a saudade, Isabel, não a pinto tão negra. Como disse mais acima, só temos saudades das coisas boas e, porventura, só sofremos porque não as temos mais - mas as coisas eram boas! Talvez substitua dor por conformismo descoroçoado. E é verdade que o Fado, como outros géneros musicais, aborda muito a saudade, mas faz dela "pobre e solitário destino", presença sofrida diante da ausência, um pouco de "coitadinho de mim".
      Quanto às traduções, estamos em plena sintonia: mais vale um mau domínio do original do que ler uma outra coisa qualquer. Uma das coisas que mais valorizo num livro traduzido é precisamente o nome do seu tradutor. Dou-lhe um exemplo, Pedro Tamen. O único que me fez ler do primeiro ao último tomo "À la recherche du temps perdu"...

      Enfim, beijinho :)

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  5. Comigo acontece o contrário, a convivência diária pode gerar erosão e às vezes até distância. Já estive muito longe de quem estava perto.E posso guardar alguém no coração durante muito tempo, mesmo se estiver longe da minha vista, parece-me que é uma tendência muito feminina esta mas não tenho certeza da exclusividade de género nesta matéria, embora muitos casos que conheço o confirmem.
    ~CC~

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    1. Asseguro-lhe, CCF, tanto quanto o posso fazer, que não é exclusividade feminina. Também já estive muito longe de quem se disse perto e vice-versa. ordens superiores do... coração.
      Grato pelo comentário.

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  6. O que eu nao gosto, me faz mal, me incomoda, me obriga a nao ser eu, etc, está optimo longe da minha vista. E assim fica mesmo mais longe do coraçao.
    Agora, o que eu gosto, me dá prazer, me faz feliz, estar longe da vista só faz com que o coracao fique com saudades!
    Mas eu gosto de ter saudades. Do que nao posso voltar a ter tenho saudades com muito amor e agradecimento por ter tido. Do que posso voltar a ter ... É tao bom matar saudades! ;)

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    1. Compreendo, Maria João. Como disse, só tenho saudades das coisas boas; das más, vade-retro ;)

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  7. Infelizmente quase todos sabemos que a proximidade demasiada causa mossa. Então se for 365 dias por ano, destrói mesmo qualquer relação, por muito amor que tenha existe. Porque já não existe com certeza.....

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    1. Desde que se conservem alguns valores básicos, como o respeito e o tempo de cada um dos elementos do casal, aguenta-se bem, digo eu.

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  8. gostei da foto, e do texto que a acompanha.
    obrigada pela visita!
    :)
    http://olharemtonsdemaresia.blogspot.pt/

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