© Paulo Abreu e Lima

quarta-feira, 4 de março de 2015

Parafernália

 
Hoje o seu amor não veio com olhos, boca e curvas que o atentassem. Não o acordou com sussurros de mel e abanões crocantes. Não lambeu o lóbulo esquerdo da orelha nem o apalpou no rabo enquanto fazia a barba. Não lhe deixou a agenda do dia na credência do hall de entrada encostada à esfinge de Rá ao lado do olho de Hórus. Hoje o seu amor ficou-lhe engasgado na garganta quando abriu a janela e sentiu os raios tépidos de sol a ameigarem-lhe a barbela, quando viu cor de laranja raiada ao fechar as pálpebras e pressentiu a brisa lenta do lado de fora. Podia ficar assim pendente por uma eternidade, a vertigem dum parapeito faz toda a diferença, afoita-lhe a avidez por um pequeno suicídio ou reinventa-lhe a passarola de Bartolomeu de Gusmão. Depois, na varanda ao lado, há todo um mundo de possibilidades entre um passo à frente e um outro atrás. Tal como o amor entalado na garganta. Se o regurgitar, morre ou voa dependendo do estado enxuto; se o engolir, mantêm-se diligente, acorda, abocanha, deixa a agenda e apalpa a parafernália do pobre padre voador.

8 comentários:

  1. Curioso o 'pequeno suicídio' da 'parafernália'..
    O pobre padre que engula todo!! Ah Ah XD

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    1. Marta, sem pruridos: curioso como num pequeno comentário não percebi nada.

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    2. Não percebeu nada?... pois se calhar quem não percebeu nada fui eu!!

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    3. Sendo assim, Marta, abstenha-se de comentar. É tão simples.

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  2. Paulo
    Sendo a foto assinada por si, preocupa-me...a almofada!

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    1. Helena

      De facto, a almofada está a mais... :-) Ela é um modelo profissional, não me ama coisa nenhuma.

      (tenho muitos nus "artísticos" autorizados, mas receio ser mal interpretado aqui no blogue)

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  3. Paulo
    O nu - sobretudo se autorizado - só pode ser mal interpretado por mentes pequenas que, espero, não sejam as que visitam este blog!

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    1. Como acontece com o seu, 99,99% dos leitores deste blogue não o comenta, apenas o lê. Por outro lado, já reparou que não publico comentários anónimos. Mas recebemos, e às vezes muitos. Penso ter respondido ao seu comentário, Helena...

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