© Paulo Abreu e Lima

quarta-feira, 27 de maio de 2015

escrever

Temo nunca mais na minha vida voltar a escrever livremente. Temo ser engolida por relatórios, processos psico-sociais, por lógicas formatadas ao rigor dos inventários que me regulamentam a actividade profissional, e que nas horas vazias o vagar se ocupe de coisinha nenhuma. Escrever livremente é uma organização partilhada. É um enquadramento, uma consciencialização, uma ideia ridícula e eficaz de nos relermos e nos aprendermos. E aos outros. Se num mundo imaginado ninguém escrevesse, se ninguém tivesse inventado a poesia e o conto, se ninguém ousasse expulsar demónios na literatura, não existiria forma de legitimarmos  as nossas culpas, os nossos temores, os nossos vícios e os nossos amores. Estaríamos presos num corpo, sem sabermos o tanto para que nos serve. Escrever deveria ser obrigatório pela vida fora até que a mão permitisse, os olhos deixassem, o cérebro pensasse e o corpo pecasse.

2 comentários:

  1. Como sinto este texto!
    Estive anos a escrever cartas de amor - o meu namoro foi anos à distância - depois vieram anos de secura quase absoluta, apesar de poder escrever quase livremente nos livros de Inglês que produzi. O meu blogue começado em 2009 foi um explodir de "eu" que se encontrava guardado há mais de trinta anos. Foi uma catarse, uma libertação, a certeza de que a minha alma não tinha morrido de vez na rotina dos testes, planos de aula, relatórios para avaliação, notas e quejandos.
    CF, vai escrever livremente durante muitos mais anos, não só nos blogues, mas também noutros textos porque quando se tem gosto, não se consegue parar. Não acho que todos consigam escrever algo de interessante e por isso a sua última frase não me parece certa. Ainda hoje estive a ler sobre Camus, um dos mais fascinantes escritores que estudei e li na universidade, e penso o que seria se ele não tivesse posto no papel as suas dúvidas sobre a existência humana, que nos parecem tão certas neste mndo cão em que vivemos.
    Um bom fim de semana!

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    1. Virgínia, a minha última frase resume o meu desejo de conhecer de alguma forma a totalidade da natureza humana. Um absurdo, claro, próprio de uma curiosa sem limites... :)

      Um beijinho. Bom fim de semana para si.

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