© Paulo Abreu e Lima

sábado, 25 de julho de 2015

atum dos Açores

O dia estava muito quente. Uma avó contraria a lógica e engole um café fervente com um pastel de nata, percebo logo o porquê quando uma miúda de uns três anos lhe trepa pelas pernas, enquanto outras duas a assaltam de repente com gritos muito fortes, uma delas está a puxar o cabelo da outra. Situo-me ao lado a comer qualquer coisa rápida, e percebo que a senhora come o pastel com uma rapidez impossível, para quem tenta aproveitar um pequeno prazer de inicio de tarde, que lhe acalme os ânimos apressados . Olha-me entretanto de soslaio e não consegui disfarçar um sorriso. Ela retribui, e parece querer assustar-me, ao dizer, - calma, tenho ainda mais outra neta a dormir a sesta lá em casa. São quatro, todas mulheres! Nisto abandona meia casca de massa folhada, pega na mais pequena, chama as maiores, e sai. Fico a vê-la afastar-se devagarinho e penso no público feminino, mas evitei ir muito longe na ideação, francamente tive medo. Subo ainda a horas, para variar. Do lado de lá da sala de espera aguarda-me um homem, alto, estranho, a cheirar a vinho. Conta-me uma história negra e preciso de auxilio para ela, não basto por mim. A ajuda chega logo depois e o assunto seguiu direitinho para o local devido, é a vida como ela é. Chego a casa tarde. Abro uma lata de atum dos Açores e como-a com umas tostas simples. Soube-me a sossego, mesmo evitando a maionese. Relembrei a mulher das duas e as suas netas. A comida, senhores, tem o poder de um Deus maior. Deito-me e penso sem querer, que mulheres juntas são uma grandeza demasiada para se poder aguentar. Ao mesmo tempo concretizo que há homens sozinhos que não conseguem sequer existir por eles mesmos. O contrário, claro, também deve ser verdade. 

(Ainda bem que encontrei atum dos Açores no continente, pensei já quase no sonho. A comida, senhores, tem o poder de um Deus maior. )

6 comentários:

  1. Nem sei porque estive tanto tempo sem te ler!!! 💓

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    1. :) Ó Alda... Olha, tenho saudades de ti...

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  2. É tão verdade o que escreve, CF.
    Deixo-lhe aqui um poema de Daniel Faria sobre as mulheres que combina muito bem com o seu bonito texto.

    "As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões
    E muitas transformam-se em árvores cheias de ninhos – digo,
    As mulheres – ainda que as casas apresentem os telhados inclinados
    Ao peso dos pássaros que se abrigam.

    É à janela dos filhos que as mulheres respiram
    Sentadas nos degraus olhando para eles e muitas
    Transformam-se em escadas

    Muitas mulheres transformam-se em paisagens
    Em árvores cheias de crianças trepando que se penduram
    Nos ramos – no pescoço das mães – ainda que as árvores irradiem
    Cheias de rebentos

    As mulheres aspiram para dentro
    E geram continuamente. Transformam-se em pomares.
    Elas arrumam a casa
    Elas põem a mesa
    Ao redor do coração.

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    1. Lindo Miss Smile, obrigada... Um bom Domingo para si...:)

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  3. E as mulheres tb se transformam em atum ou sardinhas.....

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    1. Não sei se alcancei Virgínia, mas achei piada... :) Quer explicar-me?

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