O dia estava muito quente. Uma avó contraria a lógica e engole um café fervente com um pastel de nata, percebo logo o porquê quando uma miúda de uns três anos lhe trepa pelas pernas, enquanto outras duas a assaltam de repente com gritos muito fortes, uma delas está a puxar o cabelo da outra. Situo-me ao lado a comer qualquer coisa rápida, e percebo que a senhora come o pastel com uma rapidez impossível, para quem tenta aproveitar um pequeno prazer de inicio de tarde, que lhe acalme os ânimos apressados . Olha-me entretanto de soslaio e não consegui disfarçar um sorriso. Ela retribui, e parece querer assustar-me, ao dizer, - calma, tenho ainda mais outra neta a dormir a sesta lá em casa. São quatro, todas mulheres! Nisto abandona meia casca de massa folhada, pega na mais pequena, chama as maiores, e sai. Fico a vê-la afastar-se devagarinho e penso no público feminino, mas evitei ir muito longe na ideação, francamente tive medo. Subo ainda a horas, para variar. Do lado de lá da sala de espera aguarda-me um homem, alto, estranho, a cheirar a vinho. Conta-me uma história negra e preciso de auxilio para ela, não basto por mim. A ajuda chega logo depois e o assunto seguiu direitinho para o local devido, é a vida como ela é. Chego a casa tarde. Abro uma lata de atum dos Açores e como-a com umas tostas simples. Soube-me a sossego, mesmo evitando a maionese. Relembrei a mulher das duas e as suas netas. A comida, senhores, tem o poder de um Deus maior. Deito-me e penso sem querer, que mulheres juntas são uma grandeza demasiada para se poder aguentar. Ao mesmo tempo concretizo que há homens sozinhos que não conseguem sequer existir por eles mesmos. O contrário, claro, também deve ser verdade.
(Ainda bem que encontrei atum dos Açores no continente, pensei já quase no sonho. A comida, senhores, tem o poder de um Deus maior. )
Nem sei porque estive tanto tempo sem te ler!!! 💓
ResponderEliminar:) Ó Alda... Olha, tenho saudades de ti...
EliminarÉ tão verdade o que escreve, CF.
ResponderEliminarDeixo-lhe aqui um poema de Daniel Faria sobre as mulheres que combina muito bem com o seu bonito texto.
"As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões
E muitas transformam-se em árvores cheias de ninhos – digo,
As mulheres – ainda que as casas apresentem os telhados inclinados
Ao peso dos pássaros que se abrigam.
É à janela dos filhos que as mulheres respiram
Sentadas nos degraus olhando para eles e muitas
Transformam-se em escadas
Muitas mulheres transformam-se em paisagens
Em árvores cheias de crianças trepando que se penduram
Nos ramos – no pescoço das mães – ainda que as árvores irradiem
Cheias de rebentos
As mulheres aspiram para dentro
E geram continuamente. Transformam-se em pomares.
Elas arrumam a casa
Elas põem a mesa
Ao redor do coração.
Lindo Miss Smile, obrigada... Um bom Domingo para si...:)
EliminarE as mulheres tb se transformam em atum ou sardinhas.....
ResponderEliminarNão sei se alcancei Virgínia, mas achei piada... :) Quer explicar-me?
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