© Paulo Abreu e Lima

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Falhar a Vida



Por vezes, às vezes muitas vezes, receio ter passado ao lado. Ao lado dos meus filhos, da minha carreira profissional, dos meus amigos, do amor eros. Escrevo receio e não medo. Este é instintivo e não racional; é folclórico, estridente e fátuo. O receio é ruminado, passa para a corrente sanguínea e neurotransmite-se pela serotonina em boas doses de consciência. Mas, se um dia pudesse escolher, preferia o medo ao receio. A loucura, berrante ou gritante, não é monótona, é colorida e progride para uma espécie maior de lucidez. E como a lucidez da loucura é tão mais livre…

Por vezes, às vezes menos vezes, sinto que falhei. Por omissão ou convicção. Não é bonito, mas também não é medonho – medonho é julgar que não se falha e ainda se transige. O meu grau de exigência não mo permite e é com ele que vivo. Não habito com as frustrações dos outros, nem sou responsável pelas suas ilusões. Por mim está decidido, falhei a Vida. Mas quem perdeu foi Ela.

11 comentários:

  1. Consigo rever-me um pouco nesse receio que eu não sei se é se em mim é receio ou dúvida. Dúvida de ter verdadeiramente vivido.

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    1. Penso que seja transversal a todas as pessoas olharem para trás e verificarem que tudo podia ter ser diferente. Contudo, o mais importante é prosseguir até que um dia mudemos de opinião...

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  2. Duvido muito que isso seja falhar a vida.
    Quem falha a vida não tem receios nem medos. Tem azedume.
    Pode ter falhado afectos. Pode ter falhado projectos. Pode ter passado ao lado de muita coisa.
    Mas quem lhe garante que isso tudo que falhou ou se perdeu seria o melhor para si?
    Há muito que aprendi a perdoar-me, E foi só depois disso que as minhas falhas ou as minhas perdas deixaram de ter importância. Porque tudo o resto que não falhei e tudo o resto em que me envolvi valeram muito mais!
    Acredite, Paulo, que o perdão é uma forma de sabedoria. ELE lá sabe porque nos perdoa...

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    1. Estimada Helena,
      E quem não me garante que seria melhor para mim...? Aqui ficamos na mesma - "e se" -, mas o que conta presentemente é a sensação profusa e não difusa que houve falhas e passagens ao lado. Sabe, Helena, para um pessoa exigente consigo própria (e que até teve a sorte de ter estudado e sido educado num colégio jesuíta) o auto-perdão só sucederá por fortes penitências. A confissão ditá-las-á... ;-)

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    2. Ó Paulo você olha o passado com os olhos do presente. É aí que nós diferimos.
      O meu "perdão" refere-se justamente a essa diferença. É nesse novo olhar que reside o que eu chamo de "perdão". Não é àquele que antes se obtinha através do confessionário e que hoje está ultrapassado.
      Este perdão, esta tolerância sou eu que a administro a mim mesma, porque agora sei o que antes não sabia. E nós só actuamos com os dados que temos na altura. As previsões só acertam depois de conhecidos os resultados... Como é que há 15 anos você teria podido fazer diferente do que fez? Só sendo o homem que hoje é!
      Ter-me-ei feito entender? Julgo que sim, pelo que conheço de si!
      Mas quem sou eu para pôr em causa a sua percepção?!
      Abraço

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    3. Paulo
      O meu próximo livro, muito duro de ler, chama-se "Caminhos para Deus".
      Nele iria, ou irá, se o folhear, encontrar muito do que está por detrás deste famoso figurino da educação judaico-cristã, de que tanto se fala e tão pouco se pratica. E que faz com que os nossos ombros carreguem "pecados" sem fim. Pecados por acção e pecados por omissão. Nossos e dos outros...

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    4. Helena, percebo perfeitamente o seu ponto de vista. Contudo terá reparado que eu conjugo o verbo falhar sempre no pretérito e nunca no presente. Só posso dizer que falhei com os olhos de hoje; com os olhos de ontem apenas posso dizer que actuei de determinada forma sem consciência duma avaliação imediata. Falhar ou acertar ex ante é obviamente um exercício de adivinhação, mas ter falhado ou acertado é um exercício de análise ex post. Aquilo que a amiga chama de perdão, eu chamá-lo-ia de tolerância para comigo próprio, porque, lá está: só se perdoa o que já aconteceu (pretérito) e tolera-se o que aconteceu, o que acontece e o que poderá vir a acontecer em todos os tempos. Espero não ter sido confuso :-)

      Quanto ao seu próximo livro, já lho disse, terá em mim um ávido leitor.

      Abraço apertado

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  3. Escrito assim até parece simples, Paulo.
    Eu não acredito em decisões dessas, assim definitivas.
    Podemos ter as nossas falhas bem "arrumadas" dentro de nós, mas as dúvidas estão sempre lá.
    Assumo ... se voltasse atrás faria muita coisa diferente. Se ganhava com isso ou não, nunca vou saber.
    Mas não deixo que isso me faça menos feliz. É o que é ...


    Se está decidido porque sente e receia tantas vezes ?

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    1. Por ter sentido e receado tantas vezes é que não fujo à questão e assumo o falhanço. Mas o "segredo" está na minha última frase "Mas quem perdeu foi Ela". Ou seja, falhei, muita coisa me passou ao lado, mas muita coisa também não foi beneficiada, isto é, conservo talvez o mais importante: a dignidade na minha exigência. Porventura, um dia não mais recearei... ;)

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  4. Paulo, nas minhas caminhadas por essa vida fora, andei, por vezes, mais acertada com os ponteiros do relógio e do ego do que com os passos das pessoas que amava. Houve alturas em que persegui sombras, meras promessas de um oásis ao virar de cada esquina. Conclui, mais do que uma vez, que falhei. Também por omissão ou convicção. Falhei mais por deixar pessoas de lado do que por errar. E, sobretudo, falhei comigo. Mas o que fazer com o desperdício, com esses pedaços de vida derramada? O que podemos nós fazer para além de reconhecer, aceitar e perdoar? Talvez recomeçar de uma forma diferente. Talvez acreditar que podemos ser diferentes. Não sei se melhores, mas, pelo menos, diferentes. Talvez seja este o destino da nossa condição humana – viver no limiar entre o pecado e a redenção que, de tão fugidia e perene, pouco nos serve de consolação. E nada nos garante que, a meio de uma nova caminhada, de um novo rumo, não voltemos a olhar para trás e, medindo os passos, reconheçamos que voltámos a falhar. Afinal, nesta terra desconhecida, que é a nossa vida, nunca saberemos os caminhos de cor. Mas acho que vale a pena continuar a tentar.

    Um beijinho com estima

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    1. Miss Smile, foi exactamente ao âmago do que quis transmitir. Muito obrigado.
      Um beijinho igualmente muito estimado..

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