© Paulo Abreu e Lima

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

ruído

O silêncio foi talvez a minha aprendizagem mais demorada.  Não era intrínseco em mim, não me nascia perante o calar alheio, incomodava-me ter de enfrentá-lo. Quantas vezes arranquei palavras ao adolescente apagado, outras tantas invadi a intimidade sossegada de quem se queria guardar, muitas outras considerei, ambiciosa e iludida, que as minhas frases acomodariam a dor de quem a sentia, aninhariam o corpo de quem me escutava, silenciavam, aí sim, o sofrimento, que morreria de morte matada, logo ali. Tudo esperança. Tudo mera projecção, auto-sublimação, um sem número de erros que deveriam ser punidos com horas de aprendizagem, eventualmente meditação. Não foram, foi o tempo que me castigou e ensinou. Com os meus silêncios, com as minhas precisões. O silêncio é hoje um dos meus aliados terapêuticos, um dos meus refúgios, um dos meus encontros, uma das minhas mais puras manifestações. Isto para dizer, entre outras possíveis conclusões, que a vida é um equilíbrio entre grandezas inversas. Daqui deverei apreender o óbvio que ainda me falta: jamais conseguirei calar ruídos incómodos.

12 comentários:

  1. Infelizmente o silêncio absoluto quase não existe.
    Por vezes pelas 4-5 da manhã, a minha rua está silenciosa, mas ouvem-se entõ os ruídos da casa, o frigorífico, os móveis, etc. Quando quero silêncio oiço música pelos meus auriculares. Sobrepôe-se ao ruído. É um silêncio melodioso.

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    1. O silêncio puro será sempre uma utopia, julgo eu. Há sempre ruído, nem que seja pouco, nem que seja interno...

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  2. Paulo
    É mesmo isto. Hoje pensámos o mesmo, porque escrevi sobre o silêncio!
    Bjo

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    1. Parece então que sim, Helena, e irei já de seguida espreitar o que diz sobre o assunto...

      ( Só um pequeno pormenor escondido: sou a CF. Mas estou em crer que o Paulo também é apreciador do dito... :))

      Beijinho...

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    2. Minha querida CF
      Só você para me fazer dar uma gargalhada com o seu parentesis. Esta cabecinha pensadora tinha visto o seu post anterior, em que lhe mandou um beijo especial, mas entendeu que este era do Paulo. Olhe que isto psicanalisado mostraria quão perto estão os dois!
      Beijinho

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    3. (A psicanálise é uma ciência de uma grandeza tremenda...)

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  3. «...Daqui deverei apreender o óbvio que ainda me falta: jamais conseguirei calar ruídos incómodos.»

    ...

    Principiei por tentar, mas não fui capaz de acompanhar o seu raciocínio. Não creio que seja por defeito, mas - lá está!... - a perfeição continua a ser uma tarefa hercúlea.

    Voltando aos ruídos incómodos, parece-me que depois de sentir o cheiro do silêncio, os ruídos que pulverizam o dia-a-dia, assemelham-se àqueles pingos de chuva que algumas pessoas não têm dificuldade em evitar. O silêncio - o que se escuta nos búzios - transforma os ruídos em simples rumores. Inócuos. Sem cheiro.

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    1. driftin, tão simples quanto: para haver silêncio, é preciso haver ruído. Ou ainda, para apreciarmos o silêncio apaziguador, necessitamos de conhecer o inverso...

      A perfeição não existe. Tal como não existe o silêncio absoluto.

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  4. Eu ainda estou na fase do castigo e ensinamento.:) O caminho não é nada fácil.
    Não há dúvida que a vida nos ensina muito.
    Quanto a calar ruídos incómodos ... aí então, ainda tenho muito para aprender. Insisto em tentar calá-los embora saiba que estou a fazer o impossível. Asneira minha.



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    1. Maria João, no caminho estaremos sempre todos... :) E não é fácil, claro que não...

      ( Os ruídos incómodos fazem parte, digo eu. Calá-los seria eventualmente um erro tremendo...)

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  5. CF
    Já me esquecia. Dei pela troca da ordem dos donos desta casa...
    Bjoca

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