© Paulo Abreu e Lima

sexta-feira, 26 de julho de 2013

osmose

Precisava entendê-la, saber quantas mais línguas conhecia, se juntava a gestual à casual; saber que batimentos cardíacos mais lhe atormentavam, quantas gotas de suor expelia, quantos cabelos espigados deixava abrir ao sol. Precisava enumerar os poros mais dilatados, equacionar as pestanas longas e desenhar constelações nos sinais da pele alperce. Medir a tessitura dos seus bocejos, a graça dos seus rumorejos e a infantilidade dos seus soluços. Pois é, precisava entendê-la, pressentir o que sentia, suportar o que sofria, chorar e rir o que sorria e lamentava. Coisa aritmética, de régua e esquadro. No fundo, tomar-lhe as medidas e fazer-se, à sombra, uma cópia 3D.
 
Dizia não querer mais nada dela. Porém, não desdenharia ver pelos seus olhos, cheirar pelo seu nariz, sorver pela sua boca, ouvir pelos seus tímpanos, tactear pelas suas terminações nervosas e corar pelo seu rosto. Coisa pouca. Inabalavelmente crente, sabia que, fazendo-o, uma voz superior, ecoando um ponderoso temor reverencial, o condenaria feliz. Afinal a osmose ainda não constitui pecado mortal.

7 comentários:

  1. A osmose per si, não. Mas a fusão corpórea, semelhante, mas mais sôfrega, essa, já tem que se lhe diga...
    Mas pecado mortal não será. Paixão nunca o foi, embora nos queiram convencer do contrário!

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  2. A vontade da osmose toma conta de nós quando os sentires nos transbordam do corpo. Pecado mortal, nunca, até porque acarta vontades puras e sublimes...

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  3. Osmose, fusão, não importa...
    Mais que tudo, parece-me uma lindíssima, original e sensível declaração de amor. E isso chega...

    :)

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  4. Nada de paixões nem de declarações. Apenas a intensa e vã vontade de conhecer melhor, integralmente, a cabeça de uma jovem e complexa mulher (pleonasmo). Minha filha :))

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  5. Não deixa por isso de ser uma linda declaração de amor. De pai para filha...
    No lugar dessa filha eu enternecer-me-ia até às lágrimas ;)
    Beijinho :)

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  6. Caro Paulo AL,

    Já não passava por cá há algum tempo, mas valeu a pena porque este seu post tem um final digno de uma Agatha Christie... Não fugi à regra das restantes comentadoras e também me "encaminhei" para uma declaração de amor.

    Gostei do final imprevisível e terno :))

    Isabel BP

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    1. Como sabe, é sempre muito bem-vinda, Isabel.

      Que seria de um final se não fosse imprevisível...? :)

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