© Paulo Abreu e Lima

sexta-feira, 14 de março de 2014

avó

Os avós ensinam muitas coisas, como a calma e a alegria de apanhar uma papoila e construir uma boneca. Ensinam que os doces se podem comer mesmo que os dentes doam, porque já sabem que o corpo não é assim muito feliz, só com cuidados em excesso. Sabem que o sol acorda cedo e que não se pode ficar na cama até tarde, e sabem que os meninos precisam sempre de uma história para adormecer. E de um copo de leite e de umas bolachas. Sabem que o tempo afinal existe e fazem questão de o mostrar. O tempo dos avós é diferente do tempo dos pais, o tempo dos avós tem umas horas compridas que ficam lá para o lado do jardim, aquele onde se corre atrás de uma bola e onde se esfolam os joelhos (que se curam num instante). E tem gelados e garrafas de sumo de laranja doce. Os avós têm rios e mares e castelos de areia que se fazem sempre mais uma vez, porque os avós nunca se cansam de repetir. Os avós têm ouvidos que entendem e palavras que contam verdades que não magoam, e ainda ensinam a sonhar. E a acreditar que o mundo é um local de bem e uma casa de brinquedos inventados, onde tudo pode acontecer. Os avós não falam rápido, gesticulam devagar. Não compram comida feita, cozinham em lume brando na cozinha e fazem compotas de frutas que guardam em frascos para o ano inteiro. E deixam as crianças ajudar, porque só eles sabem a sua verdadeira utilidade. Os avós percebem que quando as crianças estão doentes precisam de aconchego e alegria, e procuram tudo quanto possa sossega-las e confortá-las, nem que para isso tenham de mover o mundo. Sim, os avós movem o mundo, e ensinam as crianças que para isso é preciso querer muito, trabalhar outro tanto, saber escutar e saber dar e ajustar. Os avós apesar de moverem o mundo sabem que ele não muda, e que será sempre um sítio duro de se viver. Mas enquanto podem, enquanto duram, enquanto são e enquanto se dão, fazem-nos crer nessa ambição. Depois, tudo muda. Percebemos que envelhecem, que morrem, e que afinal o tempo que nos davam era o bem mais precioso, mas ainda assim limitado. Melhor do que ele só mesmo o amor que nos dedicavam e que não acaba nunca, a não ser quando nós, netos, velhos e cansados, deixemos de o poder guardar no corpo. Até lá estão sempre vivos cá dentro, na Primavera, no cozido à portuguesa, no prato de feijões com azeite, na máquina da costura, nas lengalengas repetidas, na força, no fracasso. 

2 comentários:

  1. São, sem dúvida, os melhores seres que passam pelas nossas vidas...
    Obrigado pelas suas palavras.

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    1. São sim Annusca. E perduram vida afora, mesmo depois de partirem dela...
      Obrigada eu pela sua visita. Volte sempre.

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