© Paulo Abreu e Lima

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Avareza


Não me peçam para falar de amor. É um par de sapatos incómodo. Um aperta porque é curto, o outro escorrega porque é grande. É um seixo pesado como o mundo. Umas vezes aguenta todas as tempestades; outras, sublima e voa por todas as ilhas. Devia ser proibido falar dele como tudo o que demuda, incha o peito e desasa os braços. Como tudo o que percorre eflúvios regatos e delonga a vida. Façamos então outra coisa: se ele vos achar, calem-se e demorem-se no olhar. Memorizem o que puderem e mapeiem o labirinto. Depois, larguem-no às águas em garrafa arrolhada e lacrada. O segredo manter-se-á em quem o encontrar e ficamos assim. As grandes dádivas nunca devem parecer nossas.

16 comentários:

  1. Belo texto Paulo. Como é hábito!
    Falar de amor é muito pouco.
    Amar é bastante.
    Dar-se é quase tudo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Falar é nada, senti-lo maior que o corpo é imenso, dá-lo é a maior das dádivas.
      Beijinho, Helena.

      Eliminar
  2. Foi o que fiz há muito. A garrafa ainda anda à deriva....

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Como é que sabe que ninguém a apanhou...?

      Eliminar
    2. Boa pergunta....pelo menos não voltou à remetente....mesmo com o mapeamento esmerado que dele foi feito.

      Eliminar
    3. Pois, mas não suposto voltar. Aqui só interessa dar.

      Eliminar
  3. O amor não se diz, de facto; o que há nele de essencial existe aquém e além das palavras, vive-se pelo lado de dentro e transparece às vezes em olhares silenciosos, em lágrimas incontidas, em gestos de dádiva e de afecto.

    Lindíssimo texto, Paulo. Bom, e da fotografia já nem digo nada.

    Beijinho :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É isso tudo, Isabel. Uma dádiva que recebemos e não devemos guardar connosco.
      Obrigado, beijinho :)

      Eliminar
  4. A questão é que necessitamos de colocar em palavras, internamente, tudo o que sentimos. Daí até tentarmos transpor para o exterior vai um passo, e como consequência ensaiamos tantas vezes... Concordo porém quando dizes que não deveremos explicar o amor ( coisa que tão bem fizeste aqui, muito discretamente... :)). Mas a tentativa, permanente e inacabada, faz parte da magia de senti-lo, ou será que não? E da plenitude crescente que é tentar definir o que de verdadeiro existe. Mesmo que nunca se consiga...

    ( Bela foto! Flores? Acho que numa próxima me perco por lá...)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pois, mas é coisa que já desisti de tentar, tais as transfigurações com que nos surge. Até porque definir é limitar e disso não queremos, certo?

      (Obrigado. Não, é de Cacilhas :p)

      Eliminar
    2. Cacilhas também é um bom lugar. Leva-nos para outro lado do rio...

      Eliminar
  5. O problema não é tanto ele nos achar mas ele ficar...
    ~CC~

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. CCF, fica se o der.
      Mas como disse, não sou versado no assunto...

      Eliminar
  6. Se um aperta porque é curto, e o outro escorrega porque é grande...alguém se enganou no par! E eu nem precisava de ter falado nisto para ser evidente ;)

    Falar de amor é bom, sim.
    Embora haja momentos de silêncio partilhado , ou ternuras trocadas, com quem se ama, que dizem muito mais que mil palavras.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ah mas não tenha dúvidas, Maria João, não há par que se ajuste em falando de amor: nenhum dos lados acerta no mesmo número ;)

      Eliminar