© Paulo Abreu e Lima

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Fugiram de mim

 
 
Por vezes somos muito mais intimidantes, agressivos e soberbos do que haveríamos outrora pensado. Reacções desproporcionadas que aterrorizam e afastam os outros. Muitas vezes, a maior parte delas, não damos sequer conta; os decibéis das palavras que proferimos não aumentam, não entoamos de forma enfatizada nenhuma em particular, os vocábulos não são hostis, o olhar não se enche de fereza. Mas aos olhos e ouvidos dos outros somos intimidantes, agressivos e soberbos. Acontece-me amiúde e só acabo por percebê-lo na reacção desprevenida do outro. Depois, tentamos arranjar mil e uma justificações, fundamentações e desculpas, mas o mal já fora feito. A comunicação entre duas pessoas é algo muito delicado que merece meticulosa atenção; não se cinge às palavras, nem aos gestos ou olhares. O tom, como o registo, adquire uma importância infinda. Um dos meus poetas preferidos, Eugénio de Andrade, desfere: «São como um cristal,/ as palavras./ Algumas, um punhal,/ um incêndio./ Outras/ orvalho apenas». Verdade. Mas há todo um mundo entre duas palavras, um tempo interminável num piscar de olhos e um slow motion em qualquer gesto de mãos e braços que altera tudo. Estes espaços, que alguns chamam de silêncio, pausas esquecidas entre uma vírgula, é que moldam o tom e, este, mal afinado, pode amedrontar o mais destemido. Mais importante do que as palavras é o compasso da melodia com que nos são anunciadas.

14 comentários:

  1. Um post há medida.
    Revi-me ali e revejo sobretudo as chefias aqui da Uva e outras que conheço.
    Nem têm noção...
    As palavras são mais duras que pedras.

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    1. As palavras, o tom e as pausas. Ninguém tem completa noção, eu não tenho.

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    2. 'à' claro (credo) desculpa vir aqui deixar-te erros ortogramaticaisgráficágrosseiros.
      Desculpa... plizzzzz.
      Ui que vergonha,

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    3. Acontece aos melhores, Uva Passa. E não tem nada para se desculpar, eu ligo muito mais ao conteúdo do que à forma, além de não pretender ser nenhum corrector de gralhas :)

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  2. A comunicação está em nós, nunca apenas no que dizemos. Hoje em dia e com o crescente das tecnologias, julgo até que ingenuamente, sentimos a necessidade de criar símbolos que digam esses silêncios, muito mais possíveis ao vivo. Ritmo, talvez defina mais ou menos o que descreves. Brando, pausado, acelerado, atribulado. As vírgulas e os piscares de olhos são o corpo a falar o que falta, não raras vezes, o que se quer realmente dizer...

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    1. Mais do que o ritmo, são as pausas, o compasso, a melodia da entoação. As vírgulas e as reticências falam pelo corpo que falta. Já os piscares de olhos podem ser indicio de terçolhos... :)

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  3. Paulo
    Eugénio é um dos meus poetas de cabeceira. As suas palavras tanto me serenam como me atiçam.
    Gosto de ler poesia em voz alta. E já reparei que as "mesmas" palavras, ditas em dias diferentes, com estados de espírito diversos, sofrem uma profunda transformação.
    Assim, julgo, as palavras coexistem com dois mundos. De um lado, a forma como as usamos depende do "mood" em que nos encontramos. Do outro lado, a forma como as palavras são percebidas, também depende do "animus" daquele a quem são dirigidas...
    Complexo. Por isso, o silêncio e o olhar têm tanta importância!

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    1. Eugénio de Andrade é intenso, nada nele é por acaso e nunca cedeu a floreados. Também é um dos" meus" Poetas.
      O estado de espírito é crucial quer no emissor, quer no receptor, altera e baralha tudo. Mas olhe que o silêncio e o olhar também...

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  4. A comunicação na net é completamente diferente da comunicação ao vivo. Muito mais agressiva, mesmo que temperada pelo emoticons e quejandos. Na net temos tendência para expressar o nosso pior com a tal soberba e agressividade que nunca viria a lume, não fora o semi-anonimato em que surfamos. Há que ter cuidado para não ferir pessoas que não merecem o nosso desdém ou ódio camuflado. É tão fácil escrever um email insultuoso....é quase uma catarse para as nossas frustrações ou desilusões!!

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    1. Não falava da comunicação virtual. Esta é muito mais pobre do que a chamada real (smiles incluídos). Falava da outra, das outras, que não prescindem sequer do tacto, as da tosse e da pieira...

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    2. Essas não existem na minha vida, graças a Deus!

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    3. Cruzes, Virgínia, os netos não contam? :)

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  5. Lindíssimo post, Paulo, sobre um dos temas que mais me apaixona: as palavras e o que elas significam, a distância entre elas e o que se pretende comunicar, a diferença entre a intenção do que se diz e a forma como isso é recebido/entendido, razão de muitos mal-entendidos desnecessários (para dizer o mínimo) e também, não menos importante, tudo o que lhe está associado.
    Por isso gosto de tudo, mas centro-me nesta frase, que me encanta: "Mais importante do que as palavras é o compasso da melodia com que nos são anunciadas". Não posso estar mais de acordo.

    Beijinho :)

    (Também gosto muito, mesmo muito, de Eugénio de Andrade. Quem não gosta?)

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    1. Obrigado, Isabel. É muito difícil a elaboração de um post sobre a expressão muito própria da comunicação e da linguagem associada. Mas nisso os Poetas são exímios.

      Beijinho :)

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