© Paulo Abreu e Lima

sábado, 20 de junho de 2015

maria do carmo

Maria do Carmo tem sessenta anos, umas perdas gordas, um cabelo preto, umas saias curtas e uns decotes generosos, que revelam uns seios proeminentes. Sorri-me sempre com o sorriso duvidoso de quem quer parecer afável, quando na verdade eu sei que lá bem no fundo me desdenha. Não me interessam muito os motivos de quem me desdenha. Não me preocupam razões que não existem ou pequenas antipatias, estou-me nas tintas para superioridades, não tenho tempo a perder com supremacias, sejam elas académicas, financeiras, profissionais, sociais. No outro dia fiquei a saber que todas as sextas e sábados à noite dança numa dancetaria da cidade. Diz a maldade de quem me contou que procura um marido rico para a velhice, alguém que lhe sustente a vaidade, lhe pague o verniz encarnado das unhas, as botas altas, as tintas do cabelo, os frascos do perfume de primeiríssima qualidade. Também não me interessam os propósitos de Maria do Carmo. Não me incomoda minimamente a sua vontade de encontrar fortuna sem mérito, de subir na vida tardiamente, de casar por amor ao ouro, e não por um amor de ouro. O que verdadeiramente me encanta nesta história, é a minha pródiga imaginação. Eu esforço-me, eu tento abstrair-me dos meus ímpetos duvidosos, mas a verdade é que quando olho para Maria do Carmo não posso deixar de imaginar a divina dança, num pensamento intrusivo de carácter importante, quase alucinatório. Vejo-a num salão escuro e barulhento, de olhos bem abertos, a abanar-se languidamente para quem quiser agarrá-la. Dá uns saltinhos pequeninos e muito ritmados, exactamente antes de um senhor a levar para a dança. Maria do Carmo encosta-se de mansinho ao pescoço do seu par, abana as coxas devagar, e na primeira oportunidade, entre um Bolero e um Merengue, questiona da família, da profissão, da intenção, da ambição e da posição. Logo depois, numa análise criteriosa, decide se deve avançar na investida ou se é melhor dedicar-se a uma outra tentativa, de carácter melhor. Não faço a mais pequena ideia de qual tem sido a sua sorte nesta procura. Não quero saber se consegue ou se não, se ficará só ou acompanhada, se poderá passar a embrulhar-se em riqueza, ou se continuará a cheirar a Jovan indefinidamente. O que me interessa neste caso é o gozo que me dá imaginá-la, garrida, pomposa, em trajes apertados, com cabelos armados e lábios repenicados, numa ginástica corporal que na minha cabeça segue num compasso repetido, cómico, divertido. Ela não sabe, mas entretém-me completamente no caminho de regresso a casa, o que me possibilita uns momentos assustadoramente libertadores: não há nada que chegue à potência curativa da nossa imaginação mais primária.

6 comentários:

  1. Querida CF, nem imagina o que eu me divirto ao alegre compasso da minha, por vezes, profícua imaginação. É terapêutico!

    Um beijinho e bom fim de semana :)

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    1. :) A imaginação é uma delicia...

      Bom fim de semana Miss Smile.

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  2. Respostas
    1. :) Às vezes pergunto-me se haverá gente com medo de imaginar... É de facto uma coisa fabulosa...

      Bom fim de semana, Uva Passa...

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  3. A imaginação dá-nos infinitas possibilidades, um bom uso dela tem efeitos, indubitávelmente terapêuticos!

    Bom dia e uma ótima semana

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    1. Concordo Maria C. É uma das coisas mais fabulosas que temos...

      Uma boa semana para si também... :)

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